terça-feira, 9 de agosto de 2011

Aventura 24: E Merlim deixa a ilha..., Ano 498


Nos lares Britânicos, por toda a ilha, o Natal de 497 foi simples. A pouca comida, a fome e a pobreza gerada por causa das invasões bárbaras e dos pesados tributos, impostos pelos reis saxões, tornaram a vida muito difícil na Britânia. Muitas revoltas se espalham pelos feudos. Em Salisbury não é diferente. Os Saxões não saquearam as terras mas o preço pela paz tem sido alto. Somente pequenos incidentes na fronteiras ocorrem de ambos os lados e são punidos pelos próprios senhores bárbaros. A fome e as doenças se espalham por todos os lugares.

Nas terras do Barão Algar não tem sido diferente. O Feudo de Pitton e de Winterbourne Stoke estão nas mãos de rebeldes. Durante o inverno Lady Sofia, mãe da Baronesa Adwen, esposa de Algar, não resistiu e faleceu de peste. Os senhores dos feudos tentam fazer com que seu povo não passe fome sacrificando os animais de criação. Em Dinton, no feudo de Sir Enrick, muitos aldeões morreram de fome apesar de o casal de heróis mandarem abater até mesmo os cavalos de batalha. Tempos difíceis para os Britânicos.

No início da Primavera de 498, mais uma vez, em Winterburne Gunnet uma carroça com a Runa da Resistência celta, pintada com sangue, é deixada por entre as brumas nas primeiras horas da manhã. Na liteira é encontrado cinquenta libras em um baú, barris com frutas, carnes e peixes desidratados, quinze ovelhas e quatorze cabeças de gado amarradas umas nas outras em um carvalho próximo ao feudo principal de Algar. Uma flecha perfurando um pergaminho preso na carroça contém a seguinte mensagem.

Mensagem:

Meu Nobre Barão. Mais uma vez a ajuda veio até você. Desta vez tributos de sangue tiveram de ser pagos. A ajuda dos Deuses ao nosso povo começam a ter um preço. O sangue de alguns está sendo derramado para que o de muitos outros continuem a correr. Mas esse preço ainda é pequeno perto da força e da coragem de nosso povo. Não devemos temer e nem nos intimidar. Precisamos ser fortes e nos unirmos cada vez mais. Para isso aqueles que se rendem a essa escória usurpadora devem ser mortos e seus bens devem ser dados aos filhos legítimos dessa terra. Mais uma vez Barão faça bom uso desses espólios e os divida com sabedoria. Contamos com sua bondade e justiça.

Estaremos lhe observando de perto.

Assinado: Resistência celta.

No meio da primavera de 498 o Barão Algar, Sir Enrick e Lady Marion reuniram suas forças e iniciaram uma campanha rumo aos Feudos rebelados do Barão para retomá-los. Arweinnyd Gwich, administrador de Winterbourne Stoke está junto com eles. O plano é sufocar a rebelião primeiro nesse feudo e depois continuar o ride até Pitton.

Winterbourne Stoke

A pequena força formada pela Ordem dos Cavaleiros da Cruz do Martelo está acampada há cinco dias, tentando negociar uma saída pacífica, próxima à Stone Range. No centro está a grande tenda de comando de Algar e ao redor as dos Cavaleiros da Cruz do Martelo. Depois em um círculo maior os arqueiros e por último os infantes. Eles trouxeram cem homens ao todo. O Arquidruida Merlim faz compania à eles.

É uma noite estrelada e os heróis sentam em pedaços de troncos ao redor da fogueira. O leão Grievous está deitado ao lado de Sir Enrick brincando com um osso de cabeça de gado. Dali eles podem ver Winterbourne Stoke e atrás do feudo a floresta de Modron´s. Um largo e profundo afluente do Rio Avon corre do norte para o sul. O único acesso aos portões do Feudo é uma ponte de madeira com dez metros de largura e de trinta metros de comprimento. Ao lado dela existe uma robusta torre de proteção para arqueiros construída em pedra. Do outro lado da ponte existe cento e cinquenta metros de relva, onde os rebeldes estão acampados à frente do feudo. Há dias eles bebem. A maioria dos homens com cabelos longos e barbas vestem túnicas marrons esfarrapadas amarradas na cintura por uma corda. Os aldeões estão armados com arcos rústicos, lanças de caça, foices, machados de cortar lenha e espadas enferrujadas. No alto da torre existem seis homens com lanças e arcos. Nenhum deles usam armaduras. Poucos vestem cotas de malha ou um elmo e os que usam provavelmente roubaram dos soldados durante a revolta. Metade dos rebeldes tem escudos grosseiramente cortados e totalizam duzentos homens.

Por vezes os rebeldes com a cabeça cheia de sidra vem até a entrada da ponte e mostram a bunda, xingam e cospem. Antes do anoitecer eles queimam o brasão de Algar próximo a ponte. Os soldados do Barão respondem, mostram as armas e suas vergonhas. As cabeças dos guardas de Winterbourne Stoke, que tentaram reagir à rebelião, estão fincadas em lanças em cima da paliçada. A entrada da ponte, que sai no descampado à frente do portão do feudo, tem vários sacos de terra formando uma barricada.

Sir Amig: “Pobres desgraçados! Serão trucidados!”

Sir Bag: “Vai ser uma carnificina. Será como pescar em um barril Algar.”

Sir Dylan: “É, mas aquela torre e a ponte favorece os rebeldes. E você se cuide Oswalt tem o Breno agora para cuidar e uma esposa bonita para te esquentar a cama. Nada de loucura!”

Oswalt concorda positivamente com um aceno de cabeça.

Sir Dalan: “Precisamos de um plano de ataque primo se ficarmos presos nas barragens de sacos de terra estamos mortos. Não podemos demorar para resolvermos essa situação. Com a morte negra se espalhando por aí, ficarmos acampados mais cinco dias aqui seria suicídio.”

Merlim: “Você tem razão Dalan e todo cuidado é pouco! Quando homens estão dispostos a darem as suas vidas por uma causa, realmente é porque o mundo deles deve ter ruido. Lembram-se dos Pictus contra os Romanos?”

Arweinnyd (administrador do feudo): “Sim Merlim! Só não esqueçam que esses servos sempre foram boas pessoas. Estão desesperados, só isso. Tenho certeza de que se eles vencessem o conflito, o que é bastante improvável, essas terras com certeza cairiam nas mãos dos Saxões. Não teriam forças para mantê-las. Já aconteceu com dezenas de Feudos em Logres nos últimos anos.”

Sir Amig: “Sim! Não esqueçam que primeiro temos que atravessar a ponte. Então a barricada tem que ser retirada e a torre ser tomada. Tudo isso enquanto lutarmos contra os rebeldes.”

Sir Verius: “Está certo! Precisamos de um bom plano de ataque. O que propõe cavaleiros?”

Sir Berethor: “Nossos batedores viram que ao anoitecer eles colocam sentinelas para cuidar das barricadas.”

Sir Enrick: “Acredito que precisamos tomar a torre primeiro.”

Lady Marion: “Usarei meus arqueiros. Os Vento do Pântano podem tentar fazê-lo da margem do rio.”

Sir Amig: “Será difícil acertá-los. Estarão no alto e protegidos pelas ameias de pedra.”

Lady Marion: “Eu acredito que consigamos fazer.”

Sir Enrick: “Usar trebuchets levará dias.”

Barão Algar: “Que seja então. Marion abrirá o ataque, depois Sir Enrick com o Esquadrão da Morte à Cavalo seguirão para a ponte. Eu irei com os meus homens na segunda linha, depois a infantaria e os arqueiros de Marion.”

No início da noite, já com as estrelas no céu, os heróis dão as ordens para as forças se prepararem. Todo o acampamento se agita com a ansiedade do combate que virá. Os arqueiros se preparam testando as cordas e a madeira dos arcos. Cada um deles examina com cuidado cada flecha verificando se as penas estão bem colocadas e se os projéteis estão retos. O infantes preparam as suas lanças, escudos, martelos, maças e machados. Ajustam o elmo e as suas armaduras de couro e braceletes. Os Cavaleiros vestem os seus peitorais, suas cotas de malha e peles de urso e lobo por cima. Os escudeiros preparam os cavalos e quando os Cavaleiros montam, os garotos lhes dão os escudos recém pintados com os seus brasões.

Sir Enrick vê os três Sini Nomine sobreviventes da Batalha de Saint Albans próximo a Stone Range. Mas quando olha novamente detrás dos seus cavalos negros mais dois deles surgem. O Cavaleiro com o crânio no rosto inclina a cabeça o cumprimentando. Ele aponta para o caixão deixado próximo à eles. Sir Enrick vai até lá e diante dos homens de negro, com a ajuda de Oswalt, veste a armadura negra com o elmo em formato de cabeça de cavalo.

Próximo a tenda de comando alaranjada, com o lobo pintado nas paredes de couro curtido do pavilhão, os Heddlu Dduwies de Algar, homens com o rosto pintado de vermelho e a pele de lobo cobrindo seus corpos, retocam com o seu próprio sangue os olhos de lobo pintados em seu escudo. Eles preparam as suas garras de ferro e seus machados de arremesso.

Já Marion e os Vento do Pântano, com os garotos já transformados em homens, vestem as suas máscaras e afiam as suas gladius. Para pedir proteção eles beijam o símbolo da Deusa queimado na frente de seus arcos.

Então Marion e os dez arqueiros deixam o acampamento sobe os olhos de seus companheiros de armas. Eles caminham quase um quilômetro até a margem do rio. Os sentinelas à distância, sentados ao redor de uma fogueira, atrás das barricadas, não percebem nada. Do outro lado da margem Marion ordena um ataque com as flechas em trajetória em arco. A primeira rajada com dez flechas alça vôo em direção ao topo da torre. A maioria dos projéteis batem nas ameias e outros passam diretamente para o outro lado. Rapidamente os seis rebeldes lá em cima respondem com os arcos de caça rústicos. A maioria das flechas rebeldes nem conseguem atravessar para o outro lado e caem no rio. Os arqueiros de Marion riem e os provocam. Mas surpreendentemente uma saraivada de lanças são atiradas lá de cima. Os Ventos do Pântano tentam abrir a formação em linha mas tudo ocorre muito rápido. Cinco deles são atingidos mortalmente e caem na barranca do rio. A força do Barão fica em silêncio assistindo a cena. Marion sente que seus arqueiros sobreviventes estão prontos para correr em debandada.

Lady Marion: “Eles estão mortos. Vocês cresceram juntos, eram irmãos e são como filhos para mim. Temos um trabalho a fazer! Preparem-se, por eles! Preparar, mirar, disparar!”

E as cinco flechas mais a de Marion alçam vôo com extrema precisão. No acampamento rebelde eles escutam os seis arqueiros do alto da torre gritarem antes de caírem mortos. A força do Barão comemora. Os rebeldes acampados se olham assustados.

Líder Rebelde: “Perdemos a torre! Perdemos a torre! Peguem as armas! Estamos mortos!”

Então o Barão ordena que a sua força comece a marchar em direção à ponte. Sir Enrick e os Cavaleiros da Morte à Cavalo seguem na vanguarda com as suas armas e os estandartes de caveira de cavalo em chamas. Algar e seus cavaleiros seguem atrás. A infantaria e Marion com os seus arqueiros o seguem na retaguarda. Quando Sir Enrick e seus Cavaleiros Negros chegam nas barricadas o Flecha Ligeira atira o estandarte, como uma lança, próximo aos sentinelas, fincando-o no chão. Os homens apavorados saem correndo em direção oposta. Então os Cavaleiros Sine Nomine descem de seus cavalos e começam a retirar as sacas de terra que formam a barricada. Ao mesmo tempo os rebeldes começam a correr em direção à eles. Eles rolam as barricadas para dentro do Rio e os rebeldes chegam atacando a entrada da ponte.

Quando o inimigo avista os Cavaleiros Negros que lutam desmontados eles recuam assustados. Tempo suficiente para Sir Enrick se jogar contra a primeira linha inimiga junto com os Sine Nomine empunhando suas espadas flamejantes e seus escudos de pele humana. O sangue começa a jorrar enquanto o inimigo recua apavorado pelas figuras vestindo negro. Sir Enrick mata o primeiro rebelde abrindo a sua guarda com o escudo, derrubando-o e esmagando o seu crânio com uma martelada. Isso abre caminho para as outras unidades. Algar e seus Heddlu Dduwies começam a flanqueá-los com as garras de aço e golpeando com os seus machados curtos. Os rebeldes vão caindo mortos aos montes enquanto eles giram e matam como lobos. A infantaria ataca sem formação buscando contato com o inimigo agora espalhado por todo o descampado na frente de Winterbourne Stoke. Marion apoia a luta disparando em alguns grupos de inimigos isolados.

Os Rebeldes todos desordenados tentam reagir com as ferramentas de cultivo na mão. Com foices, espadas velhas, lanças de caça e machados de cortar lenha. Os aldeões sujos, magros, doentes e famintos começam a ser sobrepujados. Mas, próximo, um dos infantes do exército do Barão é trucidado por clavas e pedras. O homem clama por piedade mas os aldeões o espancam até o seu corpo tremer em convulsões. Do outro lado Tegfryn, sargento de Algar, e seus homens matam os aldeões como se fossem galinhas. Eles avançam girando o machado cortando cabeças, arrancando braços e espalhando a morte. Muitos deles correm em pânico se jogando no rio e outros para a floresta atrás do feudo. Mas poucos escapam. Sir Bag, Sir Amig e Dylan encurralam perto da paliçada um grupo de homens que jogam as suas armas e se rendem de joelhos. Oswalt, Caulas e Syan com os seus cavalos contornam os prisioneiros. Os que tentam os atacar são mortos como exemplos. Eles deixam alguns fugir mas mantém outros presos enquanto cavalgam em círculo ao redor deles. Sir Berethor com o rosto com um corte grande, feito por um ancinho, estrangula um homem caído no chão que ainda vivo segura a arma que atacou o cavaleiro romano. Sir Dalan gira cercado por muitos rebeldes, eles os cutucam com lanças de caça, enquanto o Cavaleiro apara com o seu escudo e ataca com as sua espada. Vai matando um por um, até que só sobram metade deles que jogam as suas armas e se ajoelham se rendendo.

Na noite sem lua, depois de uma hora de luta o Barão Algar e sua unidade de elite rompem o flanco direito dos rebeldes abrindo uma brecha que faz com que ele e uma grande parte da infantaria se movam para trás do inimigo os atacando por todos os lados. Sem ter como lutar e podendo ser trucidados os rebeldes se entregam atirando as suas armas. Quase cem rebeldes jazem no campo. A maioria deles feridos se arrastando com os corpos cortados, com membros amputados e ossos quebrados por entre os mortos. O som de gemidos e choros de dor invade a planície. A força do Barão perde vinte homens dos cem que formavam o seu pequeno exército.

Sir Amig comanda os lanceiros fazendo com que todos os aldeões sobreviventes que lutavam entrem no feudo. As famílias dos rebeldes pedem misericórdia enquanto eles aguardam o seu destino. Lá dentro de Winterbourne Stoke os heróis vêem muitos corpos inchados, mortos pela peste. Ratos correm de um lado ao outro. Os cachorros magros e também doentes caminham a esmo. O Motte and Bailey, no alto da colina, está queimado. Os prisioneiros sobreviventes são trazidos e colocados sentados. Os infantes os cercam apontando lanças. Eles estão feridos e tremem de medo. Alguns vomitam de tensão e ansiedade, outros rezam e choram. Os Cavaleiros da Cruz do Martelo se aproximam e se cumprimentam com um aceno de cabeça. Os arqueiros de Marion se sentam na relva abalados com a morte de seus irmãos de armas.

Sir Amig: “Deixem esses desgraçados aí, não os deixem fugir.”

Arweinnyd Gwich: “O que faremos com os prisioneiros meu Barão?”

Barão Algar: “Traga-me os líderes e os coloquem em fila na paliçada. Arqueiros se posicionem na frente destes infelizes.”

Três homens, com as cabeças baixas, são trazidos até Algar e colocados em fila. O Barão caminha encarando um a um enquanto acende o seu longo cachimbo.

Barão Algar: “Então vocês foram os líderes desse absurdo. Tenho só uma pergunta para vocês. Estão escutando os feridos chorarem lá fora e morrerem? Quem foi que matou aqueles homens?”

Líder Rebelde: “Fomos nós Senhor.”

Barão Algar: “Exatamente! Seus idiotas! O que queriam que eu fizesse, deixasse com que ficassem com as terras? Arqueiros preparar para atirar!”

Neste momento os lanceiros do Barão precisam fazer uma barreira para deter as mulheres e crianças que gritam desesperadas implorando pela vida de seus maridos e pais.

Líder Rebelde: “Por favor senhor! Estamos passando fome, todos estão morrendo. Tenha piedade.”

Barão Algar: “Todos estamos passando por necessidade. Perdi uma filha ano passado. Tegfryn! Prenda esses homens e jogue no calabouço de Winterbourne Gunnet. Arqueiros estão dispensados.”

Suas esposas choram agradecidas.

Barão Algar: “Arweinnyd, em breve virei morar por algum tempo em Winterburne Stoke. Deixarei uma parte de meus soldados aqui para manter a paz e em breve reconstruirei a casa grande.”

Arweinnyd: “Muito bem meu senhor. Será muito bom lhe receber aqui.”

Barão Algar: “Povo de Winterbourne Stoke estou lhes dando alguns dinares para que recomecem as suas vidas. Prometo que dias melhores virão. Homens! Nosso trabalho está feito, vamos embora!”

Pitton:

Então o pequeno exército de Algar deixa Winterbourne Stoke e segue para o feudo de Pitton marchando para leste. Eles cruzam o campo passando por Stone Range e atravessam um riacho pela ponte romana antiga em arco. Os vários assentamentos próximo ao rio estão abandonados. Os poucos que sobraram tem poucas pessoas e elas estão na misérias, magras, doentes e tristes. Poucas crianças são vistas. A maioria padeceu pela morte negra. Existem muitas covas coletivas. Alguns padres caminham por entre as casinhas de parede de pedra e teto de palha trançada. Eles rezam dia e noite pedindo um milagre. A força segue em frente e passa pelos muros de Winterbourne Gunnet. Logo à frente um Cavaleiro se aproxima em velocidade. Ele traz no peito um brasão azul com duas torres. Quando retira o elmo é o Capitão Taran, administrador de Pitton, ele faz uma reverência.

Capitão Taran: “Senhores, Milady! Os seguidores de Cristo, liderados pelo padre Marcus estão ao redor de Pitton. Fui até lá pedir para que se entregassem e não reagissem para evitarmos um massacre. Mas não adiantou. Eles abriram os portões e fizeram um círculo ao redor do Feudo.”

Então eles se aproximam pelo grande campo coberto de relva baixa já tarde da noite. Poucas pedras brotam do chão. No horizonte eles vêem as muralhas de pedra do feudo e mais de uma centena de servos fazendo um círculo ao redor do lugar. A medida que chegam próximos eles podem escutar as cantorias e orações. Eles tem velas em suas mãos. Mulheres, crianças, velhos e homens são liderados por um padre de batina marrom com a cabeça raspada. Uma grande cruz de madeira foi erguida na entrada do Feudo.

Sir Amig: “Não esqueçam que eles mataram e expulsaram daqui, todos os seguidores da antiga religião.”

Sir Bag: “Vamos mandar esses aí dar um alô pra Jesus pessoalmente Algar.”

Sir Dylan: “Calma! Um massacre não é certo. Estas pessoas estão desarmadas. ”

Sir Verius: “Droga!”

Urco late e gira excitado em círculo. O leão Grievous, ao lado do cavalo de Sir Enrick, ruge e balança a cauda nervosamente.

Sir Berethor: “O que faremos então?”

Barão Algar: “Eu irei conversar com eles. Marion e Enrick, venham.”

Merlim: “Eu vou com vocês.”

Quando os quatro pagãos se aproximam os rebeldes se ajoelham e cantam mais forte. O padre faz o sinal da cruz e os servos o imitam.

Padre Marcus: “Vejam! Deus enviou o Demônio e o Satanás para combatermos!”

Os soldados do Barão riem a distância.

Merlim: “Satanás! Me satisfaço com o título de Merlim da Britânia Padre. Já está de bom tamanho! Vamos resolver isso logo. Preciso deixar a ilha e vocês estão me atrasando bons cristãos.”

Padre Marcus: “Blasfêmia! Há fome, doenças e miséria por todo reino. Onde estão os seus deuses? Vocês amaldiçoaram essas terras com os seus rituais de sangue. Já vai tarde, ser infernal!”

E todos os aldeões fazem o sinal da cruz e dizem: “Amém!”

Padre Marcus: “O Cristo voltará! A data é o ano 500. Tudo mudará! Mas ele poderá não regressar se vocês pagãos estiverem cultuando o deus antigo. Ele morreu por vocês também! E nós morreremos como ele se for preciso... Como mártires de Jesus!”

Inicia-se gritos fanáticos e uma comoção. Então o Arquidruida ergue a mão. Aí o Merlim da Bretanha se transformar. A sua voz profunda e sombras emanam do seu corpo. Parece que o vento começou a soprar mais forte. A impressão é que o velho está mais alto e forte.

Merlim: “Silêncio!”

Todos ali ficam quietos e intimidados pelo poder do Merlim da Bretanha e as velas apagam. Até mesmo Algar, Enrick e Marion ficam petrificados de medo.

Merlim: “A nossas crenças são tão antigas quanto as fundações da terra. Mais profundas e escuras que o mar. Mais fortes e altas que as montanhas. Infelizmente vocês não entenderam nada do que o seu mestre lhes ensinou e agora tudo se resume em medo e ouro. Já que tocou no assunto... Padre Marcus, não é? Deixe eu lhe contar algo que não está escrito nesse seu livro sagrado mutilado que vocês deixaram só o que lhes era conveniente. Povo da Britânia! Não neguem seus ancestrais! Suas raízes devem ser tão fortes como a de um Carvalho de mil anos. Se perderem isso então não terão nada. Deixem me lhes passar o que me foi contado pela nossa tradição há milhares de anos e aí vocês serão livres para decidirem.”

Então a voz do Druida se transforma e todos se acalmam como que hipnotizados pelo seu carisma.

Merlim: “Houve um tempo em que a ilha esteve completamente sozinha no mundo. Não haviam outros países; apenas a Britânia e um vasto mar coberto por uma espessa bruma. Nesse tempo haviam doze tribos, doze reis e doze círculos de pedra e apenas doze deuses. Estes deuses caminhavam pela terra tal como nós, e Bei, um deles, chegou até a casar com uma humana. Outros deuses, no entanto, que sentiam inveja dos doze que governavam a Bretanha desceram das estrelas e tentaram roubar a ilha dos doze deuses, e as doze tribos sofreram durante as batalhas. Uma lança arremessada por um deus podia matar uma pessoa sem mirá-la e nenhum escudo terreno era capaz de deter a espada de um deles; por isso, os doze deuses, em virtude do amor que sentiam pelos seus antepassados, deram às doze tribos doze Tesouros. Cada Tesouro deveria ser guardado num castelo real e a presença do Tesouro impediria que as lanças dos deuses atingissem o castelo ou qualquer um dos seus habitantes. Eles estavam ocultos. Alguns nem sabemos exatamente o que eram. Os deuses nos deram uma espada, uma tiara, um broche, uma ferradura, um bracelete, um elmo, um martelo, uma capa, uma lança, um escudo, um chifre, um fruto de dragão e um anel. Doze objetos comuns, e tudo o que os deuses nos pediram foi que os preservássemos. Muitos deles já estão entre nós novamente e outros foram levados por outros povos e dado outros nomes. ”

O Merlim olha para os heróis. Todos os rebeldes estão calados ouvindo a história atentos com os seus rostos sofridos.

Merlim: “Mas graças ao grande amor que Bei sentia por uma mulher terrena, presenteou-a com um décimo terceiro Tesouro. Um caldeirão. Mostrou para ela onde ele ficava. E disse-lhe que sempre que começasse a envelhecer apenas tinha de ir até ele, esquentar a água do poço sagrado de Avalon e jogá-la sobe o seu corpo para recuperar a juventude. Desse modo poderia caminhar ao lado de Bei para sempre, no auge da sua beleza. Mas a localização do caldeirão foi esquecido, e a amada de Bei envelheceu e morreu e Bei cheio de tristeza e dor rogou-nos uma maldição. Essa maldição foi a existência de outros países e outros povos, embora Bei tivesse prometido que se próximo de um Samain, voltássemos a reunir os doze Tesouros das doze tribos, o Caldeirão e realizássemos os ritos adequados, os doze deuses viriam de novo em nosso auxílio e expulsariam o invasor. E esse conhecimento é a minha herança antes de eu partir.”

Então todos os servos abaixam a cabeça e choram e imploram: “Tenham piedade!”, “A vida está difícil”, “Não nos mate por favor!”. O Padre fica sem ação e se joga aos pés de Algar.

Padre Marcus: “Perdão senhor! Mostre a sua bondade!”

Merlim: “Agora é com vocês Cavaleiros!”

E o Arquidruida Merlim deixa o feudo e vai se juntar ao exército de Algar que se aproxima de Pitton.

Capitão Tara: “Barão! O que quer que façamos?”

Barão Algar: “Levem todo esse povo para dentro.”

Sir Amig: “Esse Padre andava fazendo o que queria por aqui.”

Sir Bag: “Queimando gente! Todos os pagãos foram mortos por esses loucos ano passado.”

Dentro do feudo as condições de vida estão péssimas. Ainda existem restos de fogueiras onde os pagãos foram executados. As casas dos seguidores da deusa foram saqueadas e o forte de colina virou uma grande igreja.

Barão Algar: “Enrick e Marion. Comprariam uma briga com a Igreja?”

Sir Enrick: “Já não temos uma Algar?”

Marion sorri ironicamente concordando positivamente com a cabeça.

O Barão Algar desce de seu cavalo de batalha e atira o Padre no chão que fica prostrado e tremendo. Os lanceiros contém os cristão que imploram pela vida do sacerdote.

Barão Algar: “Fale ao povo seu idiota, que você estava errado e que eles devem se acalmar e fazer o que pedimos. Ou lhe mandarei direto para o inferno.”

Padre Marcus: “Se acalmem todos! Estou diante da morte meu povo e estou pronto! Como nosso mestre, o Cristo...”

Barão Algar: “A idéia não era essa idiota! Pensa que transformarei você em um Mártir. Tragam uma corda, prendam-no e o atirem no calabouço de Winterbourn Gunnet. Caminhará até lá para dar exemplo infeliz.”

Sir Amig: “Que corda meu rapaz! Vamos usar o método antigo. Homens coloquem as correntes nesse Padre e o levem da minha frente antes que faça uma grande merda.”

Barão Algar: “Escutem meu povo. Merlim lhes contou algo importante hoje e temos uma esperança. Um recomeço. Faremos de tudo para que consigamos os doze tesouros e uma nova era se iniciará para a Britânia. Confiem em mim!”

E todos os aldeões assentem com a cabeça. Algumas tropas são deixadas ali para manter a ordem. Enquanto os heróis deixam Pitton e dispensam os soldados para retornar para as suas terras, um mensageiro de Sarum se aproxima à cavalo. Ele levanta poeira pelo campo a toda velocidade.

Mensageiro: “Senhores! Que bom que os encontrei. Já faz uma semana que os procuro. Trago-lhes uma mensagem da Condessa Ellen.”

Ele entrega um pergaminho enrolado e selado com o brasão da cidade em cera vermelha.

Mensagem: “Cavaleiros de Sarum! Com urgência convoco o conselho de Salisbury. Chegou a época dos tributos serem cobrados pelo inimigo. Acredito que teremos sérios problemas. Compareçam o mais rápido possível.”

Merlim: “Ótimo! Irei aproveitar para me despedir da Condessa!”

Barão Algar: “Vamos Cavaleiros da Cruz do Martelo, sigamos em frente para Sarum.”

Sarum:

No caminho, para a capital de Salisbury, no meio da noite, começa a chover tornando as estradas barrentas. Nenhum bando de saxões é visto próximo aos feudos e vilas. Logo eles atravessam a ponte romana do Rio Bourne, ao sul da planície de São George. Os coletores do pedágio os cumprimentam. As muralhas antigas de Sarum surgem logo à frente. Os andaimes estão contornando o lado oposto da cidade e dezenas de mestres construtores com martelos e cinzais martelam as pedras. Um pouco mais da metade da nova construção já foi realizada dando um contraste com as pedras enegrecidas antigas com as novas, acinzentadas. O grupo passa pela ponte levadiça e os guardas. No interior o povo empobrecido abaixa as suas cabeças em sinal de respeito. Muitos estão assustados com a presença de Merlim que olha para frente sem dar atenção à eles. Os monges param e ficam olhando boquiabertos o sacerdote da ilha sagrada desfilar pelas ruas. A quantidade de desocupados e bêbados jogados pela cidade, cachorros magros, merda e urina espalhados ao longo das ruas, cheias de ratos, chama a atenção e torna o ar carregado. A Runa da Vitória da Resistência Celta está pintada em várias casas e até mesmo na nova muralha. Eles sobem a rampa de paralelepípedos molhada e cheia de terra preta, passam pelo foço, pela ponte levadiça do castelo, e entram no pátio.

Condessa Ellen os aguarda no salão de audiências. Ela penteia os cabelos de Robert que está vestido de túnica bege, amarrado com um cinto de couro na cintura e no peito o brasão de Sarum. O pequeno sorri para os heróis e lhes acena. Três amas levam o garoto, que ainda manca, pela porta atrás do trono. A Condessa lhe dá um beijo antes de sair. Sir Léo já está presente assim como Sir Lycus que os cumprimentam.

Condessa Ellen: “Podem entrar cavaleiros sentem-se por favor! Merlim! É uma honra lhes receber em Sarum.”

Merlim: “A honra é minha Condessa! Vejo que Robert cresce forte e feliz. Isso é um bom preságio. Acredito que estão bem protegidos por esses cavaleiros. Por isso estou deixando a ilha. Voltarei na hora certa. Quando um dos tesouros Britânicos retornar para as mãos de seu verdadeiro portador.”

Condessa Ellen: “E será bem recebido quando voltar a ilha meu bom druida.”

O Padre Tewi, de pé atrás da Condessa, olha para Merlim com um sorriso de alegria pela sua partida.

Merlim: “Aproveite enquanto pode padre.”

NOTÍCIAS

Sir Léo: “Tenho notícias do oeste amigos. O Rei Idres da Cornualha declarou guerra a Devon. Nesse momento provavelmente mais uma região está sobe o seu domínio. Inclusive nossa missão para conseguirmos as pedras para as muralhas foi muito difícil. Encontramos os aldeões fugindo do oeste. Muitos encontraram a morte na floresta Selwood que está cheio de salteadores e mercenários procurando por trabalho. Bag e eu perdemos nossos escudeiros em uma dessas escaramuças tentando salvar alguns deles. ”

RESISTÊNCIA CELTA

Condessa Ellen: “Sobre a Resistência Celta...Vocês sabem que alguns nobres me procuraram temendo ser atacados. Dizem que se o levante errar e matar inocentes qualquer um de nós poderíamos ser vítimas. Por isso proibi a música e a runa. Mas parece que foi em vão. Um bardo foi punido, surgiu outro e depois outro. Nós não temos controle sobre isso. O que acham deles?”

Sir Amig: “Acho que temos que lutar Senhora!”

Sir Lycus: “Temo pela segurança de todos nós. Souberam de Sir Sefnyn? Ele estava desaparecido faz algumas luas. Não jurou fidelidade à Condessa, não pagou os tributos de prata e gado e dizem que negociava com o rei saxão Cerdic. Mas um caçador o achou em uma caverna nas montanhas a oeste do forte Vagon. Ele morava em uma caverna com a sua família protegido por seus homens. Pelo jeito tinha levado todo os seus bens para lá. Havia animais de criação, comida e prata. Acharam o corpo de sua esposa e seus dois filhos, ainda crianças, queimados. Parece que houve luta. Todos os sentinelas foram mortos. Acharam ainda o corpo em decomposição de dois aldeões vestidos como Cernnuno com a máscara e a Runa da vitória pintada. Mas o mais assustador é que a armadura do cavaleiro morto estava montada completa assistindo a cena e as cinzas dos ossos calcinados, retorcida pelo calor das chamas que consumiu o corpo de seu dono e por cima do elmo a máscara da Resistência Celta. Todo o resto parece ter sido levado.”

Sir Enrick: “Isso parece ter sido trabalho de um profissional!”

Merlim dá uma risada irônica.

Barão Algar: “O que foi druida? Confesso que os temo também.”

Merlim: “Nada Barão, nada...”

Lady Marion: “Eles parecem brutais. Mataram crianças e mulheres.”

IMPOSTOS

Condessa Ellen: “Cavaleiros! Logres está com um grande problema. Aliás três. Sussex do Rei Ælle, Wessex do Rei Cerdic e Essex do Rei Aethelswith estão nos pressionando. Os três reis bárbaros querem tributos esse ano. Não pagá-los significa sermos atacados como foram nossos vizinhos. Nossos exércitos continuam enfraquecidos. Sem muito ouro muitos desertaram. Temos poucos homens para defendermos nossas terras.”

Sir Berethor: “Permita me falar Condessa! Esses Saxões não se gostam. Dizem que falam sarcasticamente um do outro e tentam cobrar os impostos nos reinos vizinhos os ameaçando sem conversarem entre eles.”

Sir Lycus: “Senhores, pelo osso de Saint Albans. Esses desgraçados não negociam. Temos que nos proteger. Como defenderemos nossas terras? Com uma negativa na cara desse bárbaros vai ecoar pelos Reinos saxônicos?”

Sir Dylan: “Uma aliança?”

Sir Amig: “Nunca Dylan! Fecha essa boca suja filho!”

Sir Dalan: “E vendermos a alma pra um dos reis bárbaros. Qual seria o próximo passo? Nossas filhas casarem com eles? Falarmos seus idioma?”

Merlim em um canto afagando a juba de Grievous sorri com a ironia enquanto observa no alto as pequenas janelas em ogiva com pombas e corvos pousados nos beirais. A conversa vira um burburinho com todo mundo falando ao mesmo tempo.

Condessa Ellen: “Calma senhores! Receberei nos próximos dias a visita dos embaixadores de cada um desses reis. Eles não virão pessoalmente esse ano. Temem um ao outro ou serem assassinados nas estradas. Pois bem! Gostaria de ouvi-los Senhores e Milaidie!”

Sir Amig: “Sou contra qualquer aliança com esses filhos de uma cadela. Lutei a vida inteira contra esses porcos.”

Lady Marion: “Meu pai tem razão!”

Barão Algar: “Podemos pagar alguns deles e fazer uma aliança com outros.”

Sir Enrick: “Quem é o mais forte deles?”

Sir Lycus: “Sem dúvida Ælle, Rei de Sussex é o mais forte dos três. Está há muito tempo na ilha. É Rei daquelas terras desde 477.”

Sir Enrick: “Então só nos resta fazermos a aliança com o desgraçado.”

Sir Berethor: “Eu irei falar com o Conde Ulfius se precisar. Ele é aliado do Rei de Sussex. Somos romanos e nos entenderemos.”

Condessa Ellen: “Muito bem! Farei o seguinte. Preparem-se senhores, o começo do ano que vêm trará de qualquer maneira a guerra contra um desses animais. Talvez tenha chegado o tempo de reagirmos. Com a chegada da Resistência Celta o nosso povo parece estar se unindo. Faremos a aliança com Ælle e pagaremos o tributo à Aethelswith de Essex. Não pagaremos nada ao Rei Cerdic. Ele é o mais fraco em número de homens. E além do mais, tenho uma idéia que em breve saberão... Ele não perde por esperar.”

Todos os cavaleiros começam a bater na longa mesa gritando: “Muito bem!”, “Vamos pegá-los!”, “Colocaremos esses desgraçados em seu lugar!”

Condessa Ellen: “Sir Berethor, Sir Léo e Sir Lycus vão até Duque Ulfius negociar com Ælle. Sir Bag, Sir Dalan, Sir Amig e Sir Dylan serão responsáveis pelo confisco da prata e do gado. Padre Tewi, estou lhe designando para investigar quem está por trás desta tal Resistência Celta. Barão, Sir Enrick e Lady Marion levarão Merlim para a terra dos Francos.”

Merlim: “Condessa se nos permite gostaríamos de dormir aqui esta noite. Amanhã iremos até Donchester, já que perdemos a nossa saída para o mar. O barco do Barão já nos aguarda lá. Espero que Algar nos leve até o outro lado do canal sem nos matar.”

Sir Bag: “Vai esperando!”

Barão Algar: “Oh, que é isso Bag?”

Condessa Ellen: “Ahahahah! É claro Merlim! O salão é seu essa noite Arquidruida.”

Apesar de se recusarem a pagar um tributo de prata e gado para um dos Reis saxões o tesouro dos cavaleiros diminuiu consideravelmente com o pagamento duplo aos outros líderes bárbaros. A pobreza aumenta cada dia, reduzindo a produção das lavouras e as melícias de cada senhor. As fronteiras, do que sobrou de Logres, estão cada vez mais frágeis e suscetíveis a sofrer invasões inimigas.

Pela manhã. Enquanto os escudeiros preparam as montarias e os cavalos de carga com as armas, escudos e equipamentos de caça e cozinha, o Padre Carmelo vem até Sir Enrick. Ele está com o braço quebrado.

Padre Carmelo: “Senhor! Poderia lhe falar em particular? Recebemos a resposta da mensagem que o Senhor enviou ao Rei Idres da Cornualha.”

Sir Enrick: “Leia Carmelo.”

Padre Carmelo: (mensagem do Rei Idres): “Sir Enrick, recebi sua mensagem. Estou indo buscar o que é meu antes de Gorlois nos empurrar para o Sul da Cornualha. Uma aliança com Logres seria interessante pois estrategicamente poderíamos marchar sobre os saxões. Mas tenho uma condição. Tenho um filho com vinte e nove verões, Príncipe Mark. Soube que tem uma filha, Ellen. Apesar de ter poucas primaveras jure casá-la com ele daqui há alguns anos e teremos uma aliança. Esses são os meus termos para que se tornem meus Vassalos.”

Lady Marion: “Eu ouvi bem Enrick? Eu não quero que nossa filha case com um velho barrigudo da Cornualha.”

Barão Algar: “Mas seria uma aliança importante para nós! Qualquer um não pensaria duas vezes.”

Sir Enrick: “Exato, precisamos fazer algo!”

Lady Marion: “Não aceito! É nossa filha e é errado.”

Sir Enrick: “Então irei fazer uma contra proposta. Oferecerei minha irmã. Mandarei a resposta em breve Carmelo.”

Padre Carmelo: “Sim meu Senhor. Antes de partir também gostaria de dizer que aquela garotinha que foi resgatada do feudo de Sir Edgar está bem agora. Está sendo criada por mim e por uma moça da aldeia. Ela voltou a falar depois de poucos meses e parece ser diferente... Parece ter o dom da visão. Ela disse se chamar Nimue e é bem esperta. Os animais parecem ser atraídos por ela...”

Sir Enrick: “Muito bem! Cuide dela Padre, parece ser uma boa criança. Mantenha esse braço quebrado imobilizado. Até a volta.”

Pela manhã a comitiva parte. Os três heróis, seus escudeiros, Merlim e o Leão Grievous. O Arquidruida cavalga um corcel negro e está vestido todo de azul. Na cintura, ele leva, a meia lua de prata afiada, símbolo de Avalon. As cheias começaram e eles cruzam alguns terrenos alagados. Sinal de que no verão essas terras estarão férteis mais uma vez e mais saxões tentarão conquistá-las. Logo surge à frente a floresta de Modron. As árvores se erguem altas. Salgueiros, tília, carvalhos crescem às dezenas a cada quilômetro e as folhagens envolvem seus troncos. A estrada está cheia de barro preto escorregadio, fazendo com que a viagem transcorra mais lentamente. Nem sinal de aldeões e nem de saxões. Depois de algum tempo eles sentem um cheiro forte. O cheiro de cadáveres em decomposição. Próximo a estrada real, por entre as árvores, existe uma clareira e um grande buraco foi aberto. Pelo menos cem corpos jazem em seu interior.

Merlim: “Covas coletivas, que os deuses os recebam bem. A peste pelo menos é justa. Não escolhe títulos e nem classe social.”

Primeira Parada:

Logo anoitece e os escudeiros armam o acampamento na beira de um rio próximo à uma antiga ponte romana. A temperatura é agradável. Merlim se senta ao redor da fogueira com os heróis enquanto os garotos assam duas trutas que pescaram no rio. O Leão fica deitado cochilando.

Merlim: “Sabe Enrick. Não sei se já pensou a respeito. Mas já desconfiou que o anel de seu pai não era bem o que você pensava? E quando digo seu pai você sabe bem de quem estou falando.”

Barão Algar: “Como assim?”

Merlim: “Ahahahah. Calma Barão, em tempo! Ou você acha, Enrick, que cavalos assim brotam de árvores ou é o capim de Epona. Ou a água quem sabe? Ah sim, a água! Então porque os cachorros também não eram grandes, fortes e especiais. Aquele anel Enrick é um dos 12 tesouros. Mas isso você já devia ter desconfiado. Fique atento, talvez exista sinais de que ele ande por aí. Mais perto do que você possa imaginar. É necessário reunirmos todos o mais rápido possível.”

Sir Enrick: “Sim Merlim. Desconfio que esteja nas mãos dos Usurpadores. Na verdade com o pai deles, Sir Medrod. Os malditos de Oxford não perdem por esperar.”

Cai a madrugada e os heróis se alternam como sentinelas. A noite de primavera na floresta, próxima ao rio, é cheia de insetos. Mas a temperatura está agradável. O céu começa a ficar azulado com a chegada da manhã. Marion monta guarda na frente da tenda de Algar. O último turno ficou com a guerreira. As estrelas ainda brilham no céu enquanto da fogueira só sobram as brasas e uma fumaça final que sobe. Grievous saiu para caçar e ainda não voltou. Então Marion escuta sons de cascos de cavalos se aproximarem e passos na floresta vindo de todos os lados da mata. Um cavaleiro se revela. Ele usa o brasão da Cornualha bordado no peito. É o Cavaleiro que tinha falado com Sir Enrick e Lady Marion há um ano e que procurava Igrane depois de ter sido expulso da Cornualha por Idres. Marion se levanta com o seu arco fazendo mira no peito do homem.

Sir Sulgen: “Parados, vocês estão cercados! Em nome de Igrane, entreguem o velho e viverão! Clamo a cabeça de Merlim para levá-la a rainha de Logres! Existe uma pena dada pelo Rei Uther que nunca foi cumprida!”

Então todos no acampamento acordam e saem lá pra fora com as suas armas em punho. Sir Enrick é o primeiro a aparecer. Merlim vai até lá fora e de roupas cinzas de dormir, apoiado em seu cajado, olha para o rosto de Sir Sulgen. O druida leva um frasco amarelado em suas mãos e o despeja aos pés do cavalo do homem. Muitas gotas molham os pêlos das patas avermelhadas do animal.

Merlim: “Bom dia Sulgen! Líquido de um velho que não teve uma boa noite de sono. Vejo que despatriado e sem ter quem o servir o levou a fazer a vontade de uma coadjuvante da estória.”

Sir Sulgen: “Calado velho! Dobre a língua para falar de mim.”

Merlim: “Um rei morto é um rei deposto. Igrane já cumpriu o seu papel. Aliás cumpriu muito bem diga-se de passagem.”

Sir Sulgen: “Rendam-se ou meus arqueiros e cavaleiros darão cabo de vocês.”

Então o Merlim da Bretanha olha ao redor e dá uma piscadela para os heróis.

Merlim: “Será que um pobre druida não pode pelo menos juntar as suas coisas?”

Cinnor concorda mau humorado com a cabeça e Merlim entra na tenda. Sai com várias algibeiras e alforges e vai até o seu cavalo. Levanta e derruba tudo. Tenta juntar as coisas e derruba algumas delas e isso leva pelo menos vinte minutos. Marion tenta ajudá-lo mas nada parece apressar o Arquidruida.

Sir Sulgen: “Vamos velho!”

Então, derrepente, um som de grito vem da direita: “Arrrrrgh!” e dois arqueiros correm da mata apavorados para o acampamento. Merlim aproveita o momento de distração e levanta o seu cajado acertando Sir Sulgen que cai da sela do cavalo no líquido amarelo. Vindo da mata, a toda velocidade e colocando os dois arqueiros para correr em pânico, surge um grande javali macho. O animal entra no acampamento com o foucinho e os dentes cheios de sangue. Ele deve ter uns trezentos quilos e um metro e meio de altura. Os heróis escutam vozes vindas da mata.

Cavaleiro 1: “Merlim conjurou um javali! Feiticeiro maldito!”

Cavaleiro 2: “Lodiam foi morto por esse bicho do inferno! Vamos embora antes que nos transforme em algo terrível!”

Merlim: “Algar e Marion! Ataquem agora!”

Marion não pensa duas vezes, puxa a corda de seu arco, prende a respiração e acerta uma flecha por entre as costelas do arqueiro inimigo que passa correndo por ela. O homem tropeça e geme de dor, mas se levanta apavorado desaparecendo na mata deixando um rastro de sangue. O outro arqueiro tenta passar por Algar mas ele é muito rápido e com um giro do machado pesado decapita o homem. O corpo ainda corre alguns passos sem cabeça até desabar sem vida mais à frente.

O Javali continua a atacar Sir Cinnor, sujo do líquido amarelo, levantando o homem do chão com os dentes e o lançando por cima de seu corpo enorme. A fera está enlouquecida. O Cavaleiro cai com cortes nas mãos e parece ter perdido alguns dedos. O grande Javali ataca mais uma vez lhe ferindo o rosto.

Merlim: “Vamos embora, logo vai sobrar pra nós! Deixem as coisas aí, peguem os cavalos. Eu sabia que o estrato de javali fêmea no cio um dia me serviria de alguma coisa.”

Os heróis e seus escudeiros montam rápido e se embreiam na mata. Depois de se afastarem e ouvirem os gritos terríveis do cavaleiro sendo atacado ficar cada vez mais baixo eles escutam mais sons no meio do mato. Então eles seguem em frente saindo na margem do Rio, em frente à uma ponte.

Dois arqueiros estão do outro lado na direção de Donchester. Um deles cambaleia com o ventre aberto e Grievous, com a sua grande juba, salta em cima dele o devorando sem piedade. O outro homem tremendo, tira uma flecha de sua alijava, olhando para Sir Enrick encaixando o projétil e preparando para alvejá-lo. O Flecha Ligeira mostra porque ganhou esses apelido dos saxões. Em um piscar de olhos ele saca uma flecha e dispara antes de seu inimigo. O tiro é certeiro e entra no olho direito do homem que morre instantaneamente.

Então eles atravessam a ponte de pedra e seguem em direção à Donchester. O Leão deixa o cadáver do homem para trás e os segue com a cara cheia de sangue pedindo carinho à Sir Enrick.

Merlim: “Igraine está colocando suas manguinhas de fora novamente! Vai pensar duas vezes antes de nos incomodar novamente.”

Donchester:

Depois de algum tempo uma praia de cascalhos surge à frente. Ao fundo um braço de mar. Do outro lado, à margem da água azul escura, a cidade portuária de Donchester sobe o céu cinza e o calor que abafa a ilha nessa época do ano. Seus estandartes Romanos tremulam no alto da muralha em V que se abre para o mar. O porto não está muito movimentado. Poucos barcos estão atracados.

Merlim: “Já existiram melhores dias nesta cidade. Vamos!”

Eles contornam o braço de mar com os cavalos pisando no cascalho até que chegam nos portões. É meio dia. Dois centuriões com armaduras enferrujadas e lanças desgastadas se colocam cada um de um lado do portão.

Centurião: “O que querem em Dorchester Cavaleiros?”

Barão Algar: “Estamos de partida para a Terra dos Francos. Meu barco Fúria de Njord está atracado aqui.”

Centurião: “Está certo! Não são permitidos cavalos, muito menos um leão. Se forem viajar com o animal terão que pegá-lo com o barco na margem fora da cidade senhor. As montarias deverão ser deixadas na estrebaria da cidade. A taxa de entrada são dez dinares para cada um.”

Lady Marion: “Syan, fique com Grievous na margem do lado de fora ao sul. Pegaremos vocês lá.”

Logo que eles entram pelos portões vêem a cidade com poucas pessoas. A maioria são mendigos bêbados e pedintes com crianças de colo. Eles estão muito magros, todos sujos, com as roupas esfarrapadas e pés no chão. Gangues de crianças andam para cima e para baixo nas ruas de casas romanas todas quebradas e remendadas com barro. As tavernas parecem abandonadas enquanto cachorros e gatos andam pelas ruas. Eles notam que existem poucos soldados, não viram mais que cinco andando com armaduras e armas enferrujadas.

Logo que chegam na praça central um bando de mendigos os cercam com as mãos para cima. São mais de vinte ao redor deles. Todos pedem ao mesmo tempo. Os cavalos ficam presos sem ter como ir para frente ou para trás. Marion vê um menino tentando roubar a sua adaga, mas ela segura o pulso do rapaz e a toma de volta. Ao mesmo tempo um velho mendigo se esgueira e rouba a algibeira com a última prata que sobrou do tesouro do Barão. Algar lhe aplica um soco tão forte que o homem cai semi morto na calçada. Uma mulher pega um dos martelos de guerra de Sir Enrick, o flash, e corre. O Cavaleiro abre caminho em meio a pequena multidão e usa o peito de Hefesto, seu cavalo de batalha, derrubando-a. Oswalt desce e pega o martelo da mulher e entrega para o seu irmão. Então Merlim levanta o seu cajado e grita.

Merlim: “Parem seus tolos! Tenham dignidade! Roubar não lhes ajudará!”

Mendigo: “Mas estamos famintos Druida!”

Merlim: “Eu sei disso. Todos sabemos. Façamos assim, sigam a estrada real e logo depois da ponte encontrarão um cavalo que poderão vender, provavelmente um javali que poderão caçar e um cavaleiro que poderão ajudar. Existe um pavilhão do nosso querido Barão que foi deixado lá. Por favor tragam para Dorchester. O nosso herói precisa dele para defender a Britânia e o deixem aos cuidados dos cavalariços da estrebaria. Se o homem estiver vivo o ajudem, mas poderão ficar com o que ele tiver de valor. Se estiver morto, bem vocês sabem. Mas dividam ou o Merlim da Bretanha saberá pelos poderes misticos quem não me obedeceram e serão transformados em sapos e condenados a viver nos pântanos comendo moscas.”

Os mendigos se encolhem de medo. O Druida passa o cajado por cima da cabeça deles.

Merlim: “Está lançado o feitiço! Podem ir! Que a Deusa os protejam.”

E os mendigos saem agradecendo com a cabeça baixa em direção ao portão da cidade e elaborando um plano para conseguir fazer o que Merlim os ordenou enquanto o Druida dá uma piscadela para os heróis.

Merlim: “Ah, ali estão as estrebarias.”

Uma construção de paredes brancas retangular que deve ter capacidade para cem cavalos ergue-se à direita. Logo um rapaz, vestindo sandálias e uma túnica romana, pega os seus cavalos e os leva para dentro da estrabaria.

Cavalariço: “Senhor são 10 dinares por cavalo por semana senhor. São os 4 cavalos de batalha, os 2 de carga, e os 3 dos escudeiros. Total de 90 dinares.”

Barão Algar: “Está certo! Que droga!”

Atravessando o Canal:

Seguindo as indicações das placas de madeira em forma de escudos pendentes das casas eles chegam a pé no porto da cidade. O oficial, usando uma capa preta desbotada e com a armadura enferrujada, se aproxima com mais dois guardas.

Oficial: “Senhores! O que desejam?”

Barão Algar: “Meu barco é aquele ali. Estamos de partida para o outro lado do canal.”

Oficial: “Está certo, os senhores precisam pagar as taxas portuárias. A chegada e partida de nossos portos custam uma libra.”

Barão Algar: “De novo! Romanos sangue sugas. Tome aqui essa maldita libra.”

O grupo chega no porto de madeira e o barco Fúria de Njord, do Barão Algar, está atracado. A tripulação está preparando o navio. Eles prestam reverência quando os heróis se aproximam.

Dwyfor: “Barão, é uma honra Senhor. Estamos prontos para zarpar. Os ventos estão favoráveis, acredito que amanhã chegaremos na Terra dos Francos. Podem subir a bordo.”

Então todos os homens se posicionam nos remos. Dois marujos, um na proa e outro na poupa da embarcação retiram as cordas que prendem a embarcação. Todos os marujos retiram as suas armaduras de couro, suas cotas de malha e elmos e os deixam debaixo do banco junto com as suas armas.

Dwyfor: “O comando é seu Barão!”

Barão Algar: “Atenção homens! Preparar remos. Só o lado direito. Manobrem!”

Usando a correnteza a seu favor o Fúria de Njord começa a se deslocar por entre o braço de mar de águas calmas.

Barão Algar: “Remos esquerdos e direitos na água! Remem! Remem! Remem!”

Lentamente o Fúria de Njord manobra e vira a proa deslizando para a margem fora da cidade. Syan espera com o Leão. Os homens colocam os seus escudos pendurados na murada enquanto os dois saltam para dentro da embarcação. Então Algar vira o leme para a direita e o Fúria de Njord responde virando a proa para o sul. A água passando pelo casco raiado estabiliza o navio pegando velocidade nas marolas do braço de mar. Logo à frente surge a arrebentação e depois o grande mar aberto e escuro da costa Britânica. Grievous percebendo a presença de água começa a tremer e se encolhe embaixo de um dos bancos do barco escondendo a cara por entre as patas.

As ondas mexidas do canal balançam o barco que salta na espuma da arrebentação enquanto as gaivotas voam no alto. Algar puxa o leme um pouco pra a esquerda e o Fúria de Njord responde prontamente encarando as ondas de frente. Logo a costa vai ficando para trás enquanto em mar aberto, no dia quente, as formações de nuvens pesadas se aglomeram. Ondas altas como colinas de água levam o barco hora para cima, hora para baixo. A carranca de lobo é colocada na proa por Caulas. Algar olha o vento e a correnteza.

Barão Algar: “Abrir vela!”

Então a grande vela com o brasão de Algar, vermelho e azul com o martelo no centro, se enche de ar e o barco corre riscando o mar como o filho do vento. Algar olha para o sol e faz as correções da rota manobrando o leme. Logo eles só vêem água ao redor e rumam em direção ao sul com um bom vento.

Oswalt: “Irmão! Você já esteve na terra dos francos, não é? E como foi?”

Sir Enrick: “Foi aqui que Algar me salvou de ser morto ao pé de uma escada invadindo a cidade de Bayeux. Era um escudeiro, novo, recém saído do mato.”

Caulas: “É lá que o Tio mandou aqueles padres falarem direto com o seu deus!”

Algar fala da polpa do barco apoiado no grande leme do barco.

Barão Algar: “Tem coisas que temos que fazer na guerra que não podemos nos orgulhar mas que tem que ser feitas rapaz.”

Syan: “Milaidie! É verdade que os Druidas daqui são muito poderosos?”

Lady Marion: “Sim e generosos! São grandes discípulos da Deusa.”

Merlim: “E sábios não é Marion? A magia existe na Terra dos Francos tal qual na Britânia e tão poderosa quanto.”

Eles comem queijo com um pouco de pão preto e alguns goles de hidromel enquanto as estrelas surgem no céu. O sol se pondo à esquerda ilumina de dourado as nuvens pesadas da chuva que formam uma cortina de água no horizonte formando um arco-íris. Um grande cardume de peixes pula à frente do barco como se tivesse fugindo de algo.

Syan: “Estranho!”

Então sem ninguém esperar o Barco sacode de um lado para o outro. Eles sentem uma leve pancada sobe os seus pés, depois uma mais forte e uma terceira que os arrancam dos bancos. Marion rola pelo convés e bate com as suas costas na borda do navio. Enrick e Algar caem mas não se machucam. O Fúria de Njord é levantado por uma onda alta e se posiciona de lado. Isso faz com que o o barco comece a girar sem controle. Então o Navio levanta quase que inteiro da água, estala com as suas armações de madeira cedendo sobe seu próprio peso. Então, como algo que estivesse embaixo do casco sumisse, ele bate mais uma vez na água, jogando Caulas contra a borda, o fazendo dar uma cambalhota e o atirando para fora no mar. Eles ouvem o som do corpo do escudeiro batendo na água.

Dwyfor: “Homem ao mar! Homem ao mar!”

O garoto por vezes desaparece por entre as ondas por hora se afasta e outras vezes a onda o empurra para mais perto. O barco flutua novamente por entre as colinas de água.

Algar não pensa duas vezes, olha para o mar escuro e iluminado pela fraca lanterna penduradas no convés se atira no mar e nada em direção ao escudeiro. Caulas desesperado se agarra no Barão o empurrando para baixo. Mas Algar corajosamente agarra o rapaz pelo cabelo e nada com a outra mão até o Fúria. Seus amigos os ajudam a retornar ao convés. Seguro novamente Caulas encharcado treme assustado e tosse sem parar.

Caulas: “Obrigado Tio! Graças a Deusa!”

Merlim retira um frasco e dá para o rapaz beber. Ele fica com os olhos vidrados em choque pela proximidade da morte.

Merlim: “Tome! Isso irá lhe ajudar rapaz.”

Então tudo volta a se acalmar. Grievous continua escondido embaixo de um dos bancos tremendo. Ao lado do barco eles vêem as costas negras de um grande animal marinho, um forte esguicho de água salgada sai de suas costas. A criatura é tão longa quanto a muralha de um castelo e ela submerge levantando a cauda, do tamanho de um cavalo, sumindo nas águas profundas do mar.

Dwyfor: “Maldita criatura! Limpando o costado no fundo de nosso barco!”

Merlim: “Elas são muito parecidas conosco.”

Barão Algar: “Como assim?”

Merlim: “Cuidam dos filhotes como nós.”

Algar só dá de ombros não entendendo muito bem as palavras do Arquidruida. O dia passa, anoitece e cai a madrugada. E apesar do incidente, embalado pela vela, o navio segue em frente. Os homens bebem um pouco de hidromel e dormem por entre os bancos com os remos recolhidos.

Dwyfor: “Vá dormir um pouco barão! Estamos em segurança. A tempestade parece ter desviado para o continente. Eu assumo daqui em diante.”

A madrugada passa tranquila com o céu estrelado refletindo nas colinas de água negra. Nas primeiras luzes da manhã os heróis são acordados com o grito de um dos remadores da proa: “Terra dos Francos.”

Dwyfor: “O leme é seu Barão! Foi uma noite tranquila. Caulas já está melhor.”

O Fúria de Njord vai movendo a sua proa em direção a praia com Algar levando o leme para a esquerda fazendo com que o barco siga a favor da arrebentação.

Barão Algar: “Atenção homens! Recolher vela! Remos! Todos juntos!”

Surfando e descendo as ondas cortando a água azul marinha quase negra em meio a espuma a embarcação segue até o raso. O enorme paredão da Falésia se ergue à diante. A praia de cascalho, antes dela, vai ficando mais próxima até que o Fúria de Njord encalha à dez metros da terra. Merlim vai pegando seus baús, pendurando no pescoço, suas algibeiras de couro cheias de frascos e com a ajuda de seu cajado desce com a água salgada e as pequenas ondas quebrando na altura de seu joelho.

Merlim: “Terra dos Francos! Lugar de mulheres belas, homens não tão homens e vinhos doces como a boca de uma fada... Ah bem, lá vem eles.”

Então um grupo de cavaleiros, seis deles, surgem descendo a encosta mais baixa da falésia, montando cavalos negros e carregando estandartes coloridos. As montarias vêem arrancando tufos de areia e cascalhos. O líder, o cavaleiro mais velho, com barbas ruivas e cabelos longos até abaixo da cintura, com uma cicatriz vertical em um dos olhos, carrega no braço esquerdo o escudo em formato de ogiva azul com a flor de liz dourada. Todos eles tem cruzes de prata penduradas no pescoço. Os cavalos entram no mar com água até a metade das patas e os homens retiram as suas espadas das bainhas.

Rei Clovis I: “Qui êtes-vous Chevaliers?”

Lady Marion, criada e treinada na frança, traduz tudo para Sir Enrick e o Barão Algar.

Sir Enrick: “Como posso ter medo de alguém que fala uma língua assim?”

Lady Marion: “Quieto Enrick! Ele disse: Quem são vocês Cavaleiros?”

Merlim: “Nous sommes brittanique mounsieur. Mon nom est Merlim et ce sont les héros de ma terre et vous?”

Lady Marion: “Merlim respondeu para eles: Nós somos Britânicos meu Senhor. Meu nome é Merlim e estes são os heróis de minha terra.”

Rei Clovis I: “Je suis le roi Clovis Premier du maison mérovingienne!”

Barão Algar: “Merovíngio! Eu entendi! Ããã, Mounsieur.”

Sir Enrick: “Eu também! Merovíngio.”

Lady Marion: “Calados! O homem disse ser O Rei Clóvis I da Casa Merovíngia.”

Merlim: “C'est un honneur de vous rencontrer majesté.”

Lady Marion: “Merlim disse que é uma honra o encontrar.”

Então Merlim e o Rei Clóvis I não se aguentam e começam a rir.

Rei Clovis I: “Bienvenue à la Gaule vieil ami! Permettez-moi de vous aider.”

Lady Marion: “Parecem ser velhos amigos. O Rei disse: Bem vindo a gália velho amigo. Permita-me lhe ajudar.”

Sir Enrick: “Aí tem coisa!”

Então, no próprio Cavalo do primeiro Rei Merovíngio Clóvis, Merlim sobe na garupa.

Merlim: “Obrigado meus amigos! Nos vemos em um, ou cinco ou dez anos! Ahahahah! No dia que todos os tesouros da Britânia estiverem reunidos novamente. E esse é um fardo que terão de carregar sozinhos. Surgirá uma força na Britânia e ela mudará tudo. Então, Au revoir! Vejo vocês novamente quando a bigorna golpear o martelo.”

Lady Marion: “Au revoir!”

Então os cavaleiros partem subindo a falésia e desaparecem.

Sir Enrick: “Como assim? Não vão nos convidar nem para secar os pés? Odeio esse velho.”

Caulas: “Quem era tio?”

Barão Algar: “É o Rei de tudo isso aqui sobrinho. O primeiro Rei Franco cristão.”

Então eles esperam a subida da maré até que o Fúria de Njord flutue. A tripulação desce do barco e o empurra. Logo o barco se lança a alto mar novamente. Perto do meio dia eles seguem para o norte de volta à Britânia. O barco navega o dia inteiro em mar tranquilo. Logo a noite cai e vai escurecendo. Pequenos relâmpagos são visto no oeste como na noite anterior. O vento sopra desta direção. As ondas começam a crescer e o vento a aumentar de força. As horas passam e os relâmpagos parecem mais próximos e a temperatura vai caindo rapidamente.

Dwyfor olhando para cima: “Parece que teremos chuva senhor.”

Barão Algar: “Todo cuidado é pouco.”

Passa pelo menos uma hora e então a chuva começa a cair e os trovões cortam o céu iluminando a noite. Primeiro uma chuva fina que depois se transforma em uma tormenta de verão. A visibilidade é pequena. Algar tenta enxergar por entre a escuridão e a água grossa que cai. Todos estão encharcados. O mar joga o barco hora pra cima hora para baixo. Através do trovões e dos sons do vento Marion parece ter ouvido tambores de guerra ressoando. Os olhos da guerreira buscam por entre a chuva e a água do mar que quebra forte contra o costado do Fúria. Então ela vê por entre as colinas de água uma lanterna na proa de um navio iluminando uma carranca demoníaca. E o barco some atrás de uma onda que se ergue.

Lady Marion: “Olhem! Um barco!”

Todos olham e não enxergam nada até que o mar se ergue novamente e vindo do norte à direita do Fúria de Njord surge um navio menor, cruzando rápido o mar.

Sir Enrick: “Piratas saxões!”

Remador: “Contei pelo menos quarenta remos!”

Quando os raios cortam o céu iluminando a chuva e as nuvens baixas pode se ver os elmos pontudos e a bandeira de um grande javali, Ing, o deus saxão dos mares.

Dwyfor: “Precisamos fugir Barão! Nós temos a vantagem do número maior de remos e eles a do peso menor. Atenção Homens! Armaduras, escudos e armas à mão.”

Todos começam a vestir suas cotas de malha e armaduras de couro. Colocam os seus elmos. Algar faz o mesmo e retorna rapidamente para o leme.

Barão Algar: “Remos e vela a toda velocidade!”

O Fúria de Njord manobra buscando a proteção por entre as ondas e surfando, mantendo o barco inimigo longe. As horas vão passando e a perseguição continua. Na proa do outro barco um saxão loiro usando um bonito elmo prata e dourado gesticula e incentiva os seus homens.

Então o saxão olha para trás e balança a cabeça afirmativamente. Parece ter dado uma ordem. Os raios caem no mar iluminando o horizonte. Os heróis escutam, trazido pelo vento, o grito de Wotan! Wotan! Wotan! A vela branca e vermelha com o javali desenhado está cheia de vento e derrepente outra menor por baixo da principal se infla. Os saxões cantam enquanto o Drakkar pega muita velocidade e se aproxima. Eles podem ver os bárbaros com os seus machados, espadas e cotas de malha. Eles xingam, riem e cospem enquanto os barcos se emparelham subindo e descendo ondas altas. Os saxões giram os ganchos de abordagem se preparando para atirá-los.

Dwyfor: “Atenção homens preparar para o combate! Apresentar armas! Seremos abordados.”

Os ganchos voam até a murada. Muitos deles se engancham arrancando lascas de madeira. Um dos marinheiros do Fúria de Njord é atingido nas costas por um dele e é puxado para o mar. Os dois navios se aproximam e se chocam quebrando os remos e fazendo o leme do barco de Algar saltar e cair no mar. O homem que estava preso ao gancho gritando na água com o ombro transpassado é esmagado pelo choque entre os dois navios. Alguns homens de ambos os barcos caem desaparecendo na água negra no meio da tormenta. Com o impacto Sir Enrick se agarra no mastro principal e Marion nos braços de seu marido. Algar não tem a mesma sorte e é atirado, com o solavanco, para fora do seu barco.

Os saxões pulam para o convés como um enxame. Um marujo é estripado com um sax (espada curta saxônica), em um corte em meia lua, colocando seus intestinos para fora. Uma cabeça, não se sabe se bárbara ou celta, voa e cai na água. O comandante saxão fica no barco observando tudo.

Seis guerreiros inimigos saltam para dentro do Fúria golpeando Sir Enrick e Marion com a bossa do escudo tentando desequilibrá-los por entre os bancos. Existe pouco espaço para combater no barco lotado de inimigos. Com as ondas fica impossível ficar de pé. Sir Enrick cai por entre os bancos mesmo assim conseguido golpear os joelhos do saxão que cai prostrado com uma fratura exposta aos berros. O outro à sua frente ergue e desce o machado com ódio. O golpe acerta a armadura do Cavaleiro que ergue o punho para se proteger.

Marion tenta apunhalar duas vezes um saxão mas ele desvia e com uma lança a acerta abrindo caminho em sua cota de malha e causando uma sensação de queimadura enquanto a ponta de aço rasga a carne da guerreira. Mais um golpe de um inimigo vindo da sua direita com um martelo de guerra tenta a acertar mas Marion dá um passo para o lado, rápida como um felino, e o martelo despedaça um dos bancos.

Algar sente seu corpo bater na água do mar. Usando armadura e cota de malha ele afunda rápido como uma pedra. Desesperadamente ele tenta nadar mas é impossível. O peso é enorme. Submerso ele não enxerga nada debaixo da água, com os pulmões sem ar, em total desespero. Em um último momento iluminado pelo clarão de um raio ele vê várias cordas presas ao seu barco que arrebentaram. Os ganchos de abordagem lançados pelo inimigo. Afundando ele passa por um deles e o agarra.

A luta continua sangrenta no convés. A tripulação Celta reage, mas os saxões parecem estar por todos os lados. Sir Enrick não consegue se levantar com o barco saltando nas ondas. Mas seu inimigo na hora de desferir um golpe com o machado também cai quando o Cavaleiro lhe aplica uma chave com as pernas. Enrick salta no peito do homem e martela as suas mãos que tentam proteger o rosto enquanto são quebradas e depois a sua cabeça que do lado direito inteiro é só uma massa de miolos e sangue.

Marion, atira sua boleadeira que se enrola no pescoço do lanceiro saxão e a bola de pedra bate com toda força o cegando do lado esquerdo e fazendo o seu olho vazar. O homem se curva gritando de dor enquanto a guerreira o degola.

O Barão Algar se agarra na corda presa ao seu barco. Ele é arrastado, enquanto enche seus pulmões de ar.

Enrick salta sobre um banco e golpeia o saxão com o martelo de batalha que tentava matar Marion. Sir Enrick, com o seu martelo menor, golpeia nas mãos do bárbaro que deixa cair sua arma e o empurra com o escudo redondo para fora da murada. O corpo do homem dá uma cambalhota pela borda do barco e some no mar escuro. Os navios enganchados giram enquanto são empurrados para o leste. Alguns homens caem quando as ondas grandes, formadas pelo vento que sopra forte, sacode a embarcação. A tempestade fica tão forte que os navios começam a girar cada vez mais rápidos até que as cordas se arrebentam. No escuro e em meio a chuva grossa e o mar alto que quebra contra o costado é difícil enxergar muita coisa. Mais muitos saxões tentam pular de volta para o seu barco. Mas de um terço deles caem na água com o balanço dos barcos sumindo nas ondas escuras de quatro metros. Poucos piratas ficam no convés do Fúria de Njord.

Dwyfor: “Matem todos!”

Então a vela se enche de vento e impulsiona o Fúria que surfa nas ondas agora com mais de seis metros de altura. Uma rajada forte atinge o mastro que se quebra e voa com a vela sumindo na escuridão. Caulas e Syan atacam dois saxões. Oswalt com um hematoma na maçã do rosto luta com um pirata bem maior que ele. Dwyfor usando dois machados pequenos arremessa um deles matando o que lutava com Oswalt, o escudeiro então se esgueira pelas costas de dois inimigos que lutam com os seus companheiros, retira a sua adaga e mata os homens, um com a espada que sai pela barriga em uma mistura de merda e sangue o outro degolado quando o irmão de Sir Enrick o imobiliza pelas costas jogando o corpo do homem no mar. O barco inimigo passa por eles em sentido contrário. O comandante saxão bate no peito em sinal de cumprimento e eles somem por entre as altas ondas na escuridão.

Logo os saxões, deixados para trás no convés, são mortos e jogados no mar. O Fúria de Njord está recheado de cadáveres boiando na água do mar que entra com o estouro das ondas grandes. O cheiro de sangue e bosta enjoa a todos e os gritos de homens na água são ouvidos por todos os lados. Logo o som vai diminuindo até que só fica o som da chuva. Sir Enrick e Marion procuram Algar no convés e não o acham.

Barão Algar: “Me ajudem! Aqui no mar seus minhocas!”

Todos se apoiam na murada e começam a rir. Então os escudeiros puxam o Barão para o deck do Fúria novamente.

Barão Algar: “Essa foi por pouco!”

Dwyfor: “Bárbaros desgraçados! Perdemos quase todos os remos. Só cinco deles estão intactos e não nos servirão de nada. Estamos a deriva sem vela e leme e perdemos treze homens. Eram fiéis. Nem sei como contarei as suas esposas. Agora temos dez homens mais nós. Somos dezessete almas atravessando essa tormenta de verão! Manannan (Deus dos mares Celtas) nos proteja.”

O Fúria de Njord empurrado pela chuva e o vento faz com que os heróis percam a noção de direção. A madrugada passa com o barco a deriva surfando as ondas, que como montanhas de água, os levam hora para baixo hora para cima. Todos estão nauseados. Ao amanhecer a tormenta diminui. As ondas ficam mais baixas mas nada de avistarem a costa Britânica. O destino é incerto...

Continua...

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