terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Aventura 27: O Legado, Ano 499


Ano 499, Feudo Winterbourne Gunnet, quinze dias depois da captura dos heróis. É um dia de verão quente e de céu azul. A Baronesa Adwen está na janela do Motte and Baile da toca do lobo. É de manhã. Enquanto faz fios de lã na roca, preocupada, sem notícias de seu marido, Adwen observa Brian (9 anos), Bernard (11 anos), Robert (9 anos) e Ellen (5 anos) brincando, ao pé da colina, no gramado junto com os velhos mastins de Algar: Martelo e Trovão. As crianças fizeram um pequeno forte de madeira e imaginam que os cachorros são gigantes tentando atacá-lo. Bernard, com um balde na cabeça como um elmo improvisado, comanda a defesa da pequena construção. Adwen sorri para eles.

Então algo chama a atenção da Baronesa. Quando ela ergue seus olhos, vê trotando, pela estradinha de terra que trás até o castelo de madeira, dois Cavaleiros. Logo atrás vem uma carroça escoltada por meia dúzia de lanceiros seguido por crianças e mulheres à pé. Eles se aproximam. Desconfiada de que algo possa ter dado errado com seu marido, Adwen deixa a roca e desce correndo as escadas do castelo até a porta do grande salão de banquetes. Os homens chegam até ali carregando os estandartes amarelos, com as cabeças dos cabritos com os chifres enrolados, do Senhor de Tishea.

Adwen: “Bom dia... Sir Amig e Sir Dylan! Onde está está Algar, Sir Enrick e Marion? Es... es... estão todos mortos?”

Ela começa a chorar e só aí percebe como Dylan e Amig estão feridos. Os dois estão com queimaduras e cortes no rosto e mãos. Os peitorais de ferro e elmos estão avariados em muitos pontos.

Sir Dylan: “Baronesa, bom dia! Levamos uma semana para escaparmos daquele inferno. A senhora precisa ser forte. Acabamos de vir de Dinton e demos a notícia a Gondrik Stanpid... Eles foram capturados. Estão nas mãos de Cerdic e não sabemos o que pode acontecer à eles. Só sei que um grande exército do Rei de Wessex está se movendo para a nossa fronteira nesse momento.”

Adwen: “Pela Deusa! As crianças dos Stanpides chegaram ontem para brincar e se distrair enquanto esperam o retorno de seus pais. A Condessa também mandou Robert. Me pediu para ficar com ele enquanto não tínhamos notícias dos Cavaleiros da Cruz do Martelo. E como vocês escaparam?”

Sir Amig: “Eu não gosto dos cristãos Baronesa, mas que sua magia funciona, ah funciona. Em um momento da batalha o inimigo desapareceu usando os túneis. Eles sabiam os caminhos. Então veio uma grande explosão. O grupo que estava mais à frente foi dizimado instantaneamente. O nosso, que ficou mais atrás, conseguiu se jogar no chão e pelas aberturas laterais dos túneis. Alguns de nós sobrevivemos. Esses homens que fazem a minha escolta foi tudo que sobrou da milícia. São os homens que protegiam os nossos barcos esperando o nosso regresso na praia. Oswalt, irmão de Enrick estava comigo, e ele tinha recebido um presente de Carmelo antes de partir. A Sanctu Gladius. Quando veio a água ele iluminava as passagens e estávamos correndo para o outro lado quando a torrente nos atingiu e nos atirou para fora. Foi aí que não vimos mais os outros cavaleiros. ”

Adwen: “E quem está vivo ou morto?”

Sir Amig: “Dalan e Oswalt estão desaparecidos. Verius e o cachorro coitados. Eu vi seus corpos. Morreram um ao lado do outro. Viveram e morreram juntos. Vi Dwyfor se afogar. Com somente um dos braços ele não conseguiu nadar. Wistan, Caulas e Hagen sumiram. Berethor foi carregado por mim e Dylan, nos braços, até os barcos. Ele está em Sarum sendo tratado. Tudo indica que ficou inválido! Nunca mais andará. Uma martelada na espinha foi suficiente para tirá-lo de ação para sempre. Pobre Alma...”

Sir Dylan: “Essas mulheres e crianças foram poupadas pelo Barão. Enviarei metade delas para Dinton e com a sua permissão gostaria de deixar o restante delas aqui. Poderão trabalhar na lavoura e ajudá-los.”

Adwen: “É claro Sir Dylan! Mas... Isso não vai ficar assim! Não pode ficar assim! Cavalariço prepare minha montaria!”

Imediatamente Björk desce aos estábulos.

Sir Dylan: “Senhora, o que vai fazer?”

Adwen: “Levem as crianças para Tishea! Que comecem a enfrentar a realidade e a treinar! Eu irei pedir socorro no único lugar que poderá nos ajudar nesses tempos escuros. O local que se não fosse meu marido e seus amigos já não existiria mais: Irei a Avalon.”

Sir Amig: “Não a deixarão entrar Adwen! Poderá se perder nas brumas do pântano. Muitos padeceram tentando.”

Adwen: “Sou uma Herlew desde que casei em Stone Range com Algar e irão me escutar a qualquer custo. E ninguém! Eu disse ninguém irá me deter Sir Amig. Eles já fizeram muito pela antiga religião. Algar é minha vida e sem ele, parte dela se apagará.”

Sir Dylan desse de seu cavalo e se ajoelha aos pés da Baronesa.

Sir Dylan: “Eu lhe imploro senhora. Deixe-me lhe escoltar até a ilha sagrada!”

Ela pensa por um minuto e concorda com a cabeça enquanto sobe em sua égua de cor avermelhada.

Sir Amig: “Está certo! Terei que concordar com a Senhora. Mas tenham cuidado! Eu irei com as crianças para Tishea. Qualquer novidade me enviem um pássaro. Adeus! Crianças para a carroça! O Vô vai lhes mostrar Tishea!”

Seguindo as colinas verdes para o norte eles deixam Winterbourne Gunnet para trás. As crianças viajam na parte de trás da carroça em meio a barris com hidromel, codornas abatidas e algumas cotas de malha avariadas. O embalar da carroça faz as crianças dormirem de vez em quando. Seguindo o rio Avon para o norte a comitiva passa por uma Abadia romana e Sir Amig aponta para a cruz no topo da construção.

Sir Amig: “Aquilo ali é um símbolo dos lugares onde não serão bem vindos crianças.”

Elas ficam observando o símbolo da nova religião em contraste com o céu azul. Eles viajam mais algum tempo. Ao fundo, depois do Rio, o círculo sagrado de Stone Range surge no horizonte.

Sir Amig: “Este é um lugar dos Deuses para nós. Um lugar de energia ancestral. Essas pedras estão aqui desde o início dos tempos. Seu pai e mãe casaram ali Brian.”

A viagem continua e no início da tarde, depois de subirem uma colina, eles vêem a muralha de pedras cinzas do Feudo de Sir Amig. O brasão, com os cabritos com o chifre enrolado, tremula no campo amarelo no alto das torres de arqueiros. A ponte levadiça desce e a carroça puxada por cavalos passa por cima do fosso alagado. A estrada de pedregulhos serpenteia pelo pomar carregado de maçãs. Os pequenos arbustos, pontuados de vermelho por morangos e as árvores de amoras e framboesas, enchem o ar com um cheiro gostoso. Seis cachorros de caça correm latindo para as grandes rodas da carroça enquanto Brian se diverte atirando gravetos neles. O castelo de pedra negra se ergue em uma colina central.

Chama a atenção de Ellen que uma das torres foi erguida em pedra branca. Ela se destaca porque é diferente das outras construídas em pedra negra e que parecem bem mais antigas que ela.

Poucos aldeões andam pelo feudo. Mas os que eles vêem parecem sujos e magros. Eles se inclinam quando Sir Amig passa com seus soldados. Então a comitiva atravessa uma pequena ponte em arco sobre um rio que cruza o feudo. A estrada começa a subir circulando a colina até que chega no portão do Castelo. Aos poucos a grade dentada sobe e a carroça entra num pátio. Separado por arcadas de pedra eles vêem mais dois grandes pátios de parede de pedra negra e chão de cascalho branco.

Ali está uma fila com os empregados, outra com os Mestres e Aias e do outro lado o sargento de Tishea. Todos se inclinam com a chegada de Sir Amig.

Sir Amig: “Desçam da carroça criançada! O Mestre de armas Einion está ansioso para conhecer vocês.”

Sir Amig dá uma risada enquanto um homem de uns quarenta verões, todo vestido de negro, com um bastão em sua mão, usando um tapa olho se aproxima. Ele tem os cabelos longos grisalhos presos para trás e possui muitas cicatrizes no rosto e braços.

Mestre de armas Einion: “Vocês quatro em fila e de frente pra mim! Rápido!”

Bernard, Ellen e Robert se perfilaram rapidamente. Brian, o garoto ruivo de cabelos longos, filho do Barão Algar, fica com a mão na cintura sem se mexer, olhando a todos com um ar de superioridade, se recusando a obedecer. Mestre Einion não pensa duas vezes e com o bastão golpeia o tornozelo do garoto empurrando o pequeno Barão para a fila. Brian sente uma dor terrível e fica em silêncio com os olhos cheios de lágrima.

Mestre de armas Einion: “Sir Amig trouxe vocês nessa primavera para começarem a aprender o ofício de pagens para depois se sagrarem escudeiros e quem sabe um dia, se não ficarem aleijados ou morrerem à serviço de seus senhores, se tornarem cavaleiros. Não me importa de quem são filhos ou netos. (ele olha sério para Amig). Me obedecerão ou o Dragão vai lhes comer vivos! Falarão quando eu mandar, acordarão antes de todos no castelo, farão o serviço sem reclamar e se no final do dia fizerem tudo certo eu os deixarei em paz para dormir algumas horas. Todos estamos aqui ansiosos para saber quem são. Quero que se apresentem. Vamos Conde! O gato comeu a sua língua?”

Então, muito nervoso, o menino desembesta a falar.

Robert: “Eu sou o Conde Robert, filho do falecido Conde Roderick. Fui criado como Cristão. Mas minha mãe me ensina também a antiga religião (fica vermelho) longe dos olhos do Padre da corte. Sou de Sarum. Sou o filho mais velho e herdeiro de meu pai. Minha mãe disse que não temos rei para servir. Tenho sete verões e nasci em 492. Eu gosto de Cavalos, de nadar no Bourne com meus...”

Mestre de armas Einion: “Já chega rapazinho. Quanto mais alto o título mais deverá demonstrar a que veio rapaz. E ainda você é manco... o que é uma desvantagem grande. Seu Pai foi um herói para o seu povo. Lembre-se que se não conseguir poderá ter sua cabeça pendurada nas ameias de Sarum algum dia. E será o mais alto posto que irá alcançar.”

Robert fica com os olhos marejados. Bernard de cabelos pretos longos e olhos verdes, treme assustado e fascinado com aquele novo mundo que se abre diante dos seus olhos.

Bernard: “Meu nome é Bernard Stanpid. Sou filho de Sir Enrick. Fui criado em Hanttone e o padre de Dinton me criou. Sei lutar com a espada longa e gosto de cavalos e ...”

Mestre de armas Einion: “Você sabe dos feitos de seu pai bastardo? Pois sendo um filho pela metade terá sempre que provar quem é. Não adianta nada chorar ou sofrer. Treine o corpo, a mente e a alma e seja um Bastardo que seja o orgulho da Britânia. Já ouviu falar em Madoc? Ele era um desses homens. E você pequeno Barão?”

Brian: “Sou Brian Herlews! Me, meu... Pai é o Ba... Barão Alg... Algar! Eeee, eu sou descendente dos Nórdicos. E....Ah, ã, um...”

Mestre de armas Einion: “Brian? Seu nome significa montanha, poder! Até agora só vi um merdinha. E não chore! Seu pai é um Beowulf, Demônio do Norte, ganhou o título de Barão com as próprias mãos e conquistou glórias que talvez vocês cinco juntos não consigam nem em um milhão de anos. Terá que se esforçar muito para ser um homem como ele ou pelo menos metade dele. Agora é sua vez. Fale menina!”

Ellen: “Boa tarde a todos. Sou Ellen Stanpid de Tishea, filha de Lady Marion e Sir Enrick. Gosto de atirar com arco, montar e um dia quero ser uma grande guerreira.”

Mestre de armas Einion: “Menina, Menina! Na minha época elas brincavam de boneca e fiavam na roca e...”

Ellen: “Nunca brinquei de boneca mestre!”

Mestre de armas Einion: “ Ah, bem... (o mestre pigarreia) Sua mãe é filha de Avalon. Mas não basta querer pertencer a Deusa. Terá que ser escolhida por ela e merecer. Por enquanto só vejo... uma menina assustada... Eu acho...”

Sir Amig: “Está certo, já chega. Depois terá mais tempo para humilhá-los Mestre. Escutem meninos, vão com a chefe da cozinha Nidian. Ela dirá o que tem que fazer.”

Bernard: “Vô! Quando vamos lutar com as espadas?”

Sir Amig: “Calma rapazinho, primeiro tem que aprender humildade! A maior parte do tempo da vida de um cavaleiro se resume a servir seu povo e seu Rei.”

Então uma senhora com umas sessenta primaveras, bem gordinha, com avental, uma touca e a roupa cheias de manchas de comida vem até eles.

Senhora Nidian: “Limpem já essas lágrimas! Não quero nenhum piu! Entenderam? Me chamem de Senhora Nidian quando quiserem falar comigo. Isso se eu quiser falar com vocês.”

Então o grupo de crianças caminha em direção à entrada em arco, por baixo de um passadiço, e saem em um pátio adjacente onde patos e galinhas andam na terra. Ali existem barris, sacos de farinha e carnes secando ao sol. Eles entram por uma porta, aberta à direita, que os leva à cozinha. Os gatos correm por entre as mesas enquanto seis servos do castelo trabalham. Eles cortam cebolas, nabos, cenouras. Nas vigas de madeira do teto, lebres, faisões e pedaços de cordeiros estão pendurados. Seis caldeirões fervem e cheiram bem. Existe um menino de uns 12 verões trabalhando ali. É a única criança além deles. O menino pega um peixe de um barril, abre sua barriga e arranca as suas entranhas. Ellen tonteia, sente o seu estômago embolar e vomita. Os servos riem.

Bernard: “Estão rindo do que? Deixem minha irmã em paz.”

Senhora Nidian: “Deixe de frescura menina. Em fila crianças! Deixem-me ver as suas mãos!”

Então ela pega uma colher de pau e examina as mãos de cada um deles. A chefe da cozinha bate na mão de cada um falando: “Suja! (bate) imunda (bate), nojenta (bate), digna do povo do pântano (bate)!”

Senhora Nidian: “Querem ser porcos? Então serão porcos! Comerão no chão. Mas antes vão até o barril, lavem e esfreguem essas mãos direito. Dizem que são nobres! Estão mais para bichos. Aliás serão chamados daqui pra frente de porquinhos. E lavem essas mãos direito porque se não o Dragão vai pegar vocês. E pare de chorar Brian!”

Balin passa atrás deles carregando um pequeno caldeirão e fala baixinho.

Balin: “Não respondam porque a velha não perdoa!”

Senhora Nidian: “Calado Balin. Quando forem escudeiros precisarão aprender a cozinhar para os seus senhores. Assim eles lutarão felizes! Primeira tarefa: cortar cebolas. Vão até aquela mesa. Vou mostrar uma vez e aí vamos ver quem fará melhor. Quem perder terá que limpar a cozinha depois do almoço.”

Então existe uma pilha de cebolas e a senhora Nidian diz: “Coloquem à sua frente as que vocês já cortaram. Prontos? Comecem!”

Então as crianças começam a cortar as cebolas. Ellen faz com todo o capricho a tarefa enquanto Bernard e Brian quase arrancam os seus dedos fora. Robert com os olhos ardendo não consegue cortar mais que três delas. Quando a tarefa acaba a chefe da cozinha vem até eles.

Senhora Nidian: “Muito bem! Quem limpará a cozinha depois do serviço será você Robert. E sem choramingar seu preguiçoso. Agora porquinhos, vocês levarão o caldeirão do ensopado para o salão de banquetes de Sir Amig. Com cuidado viu? Ou a colher de pau lhes garantirá mais alguns corretivos.”

Então as crianças levam o caldeirão através de duas estacas apoiadas nos ombros. Parece impossível dar um passo sem derrubar o caldo de carne. Robert, com a perna manca, tropeça derrubando alguns litros da panela. Então eles vão acertando o passo lentamente pelo corredor. Os ombros tremem e as pernas fraquejam. No trajeto final eles suam e a respiração está acelerada. O ombro está amortecido e eles estão vermelhos e cansados. Então eles atravessam um corredor longo e viram à direita entrando por uma porta dupla grande esculpida com o brasão de Sir Amig. Eles chegam no salão de banquetes decorado com as bandeiras de Salisbury, de Logres e de Sir Amig. Alabardas na parede fixadas em formato de “V” e tapeçarias com Sir Amig matando gigantes montado em um dragão soltando fogo, cobrem as paredes de pedra negra. Bernard fica fascinado olhando para o Cavaleiro e para o desenho na parede.

Na mesa principal Sir Amig está sentado vestindo calças de nobres feitas em couro marrom e com a sua tradicional camisa branca furada sem manga. Um sacerdote Druida jovem e alguns homens de armas e o Mestre Einion o acompanha tomando vinho. Nas mesas abaixo estão senhores menores, líderes de unidades da milícia de Tishea, Lordes Vassalos, suas esposas e filhos. Uma senhora, de idade avançada, com roupas melhores do que a cozinheira e com a cabeça coberta por uma espécie de hábito na cor cinza está de pé ao lado da mesa.

Aia Lora: “Entrem pequenos! Sou Aia Lora e lhes ensinarei bons modos.”

Sir Amig está vermelho tentando se controlar para não rir.

Sir Amig: “Deixe que eu ajudo vocês seus porquinhos! Não é assim que a Senhora Nidian chama todos que ela ensina?”

Aia Lora: “Nada disso Senhor! Deixem que eles façam o trabalho! É preciso para aprender. Sigam em frente crianças. Coloquem o caldeirão no suporte no centro do salão! Agora vão até os nobres e convidados e lhes ofereçam a comida. Sempre obedeçam a hierarquia.”

No início eles se confundem um pouco mas no final entendem os graus de vassalagem com a orientação da Aia. Eles servem primeiro Sir Amig, depois o Druida Mylor, por terceiro o Mestre de armas Einion e por último o sargento Turian.

Aia Lora: “Ofereça a comida, digam o que é e depois peguem o prato e sirvam para o seu senhor. Sempre pelo lado direito da pessoa que vai ser servida e cuidado para não derrubar se não quiserem levar uma espadada de algum senhor que já bebeu demais. Não é, Sir Amig?”

Sir Amig: “Você quer dizer quando cortei a mão do escudeiro do falecido Sir Elad certa vez? Ahahaha. Bons tempos Aia. Veja bem, o rapaz era afeminado para a função e sempre estava roubando comida e maltratando os cavalos. Dizem que agora ele é (dedos com aspas) “amigo de um padre”. Pelo menos o sinal da cruz dá pra fazer com uma mão só, não é?”

Sargento Turian: “E outras tarefas menos nobres também, senhor.”

Aia Lora: “Agora podem ir! Se retirem em fila por trás do salão!”

Então finalmente as crianças podem servirem-se de comida na cozinha sentados no chão como porquinhos que são. Depois da refeição a chefe cozinheira diz: “Robert, pode limpar tudo agora. ”

Ellen: “Eu quero ajudá-lo!”

Bernard: “Eu também!”

Robert: “Fiquei por último! Não é justo. Eu quero fazer isso sozinho!”

Nesse momento Sir Amig entra na cozinha.

Sir Amig: “Crianças, vão brincar um pouco. Mas... cuidado por aí! Cuidem dessa princesinha. Se acontecer alguma coisa com ela pego vocês três e deixo o dragão lhes transformar em cinzas. Se mandem seus porqueira!”

O sol está brilhando lá fora. Deixando o castelo e descendo a colina verdinha eles entram no bosque com as árvores cheias de frutas. Os pássaros cantam e voam. O rio prateado corre serpenteando por entre as árvores. Muitas delas ainda enfeitadas com as fitas coloridas do Beltane. Eles correm por entre as árvores brincando de pega pega por algum tempo. Robert chega da cozinha.

Robert: “Que droga de férias! Achei que a gente ia se divertir!”

Bernard: “Eu estou gostando. Tem cavaleiros com espadas!”

Brian se pendura nos galhos enquanto Robert, Bernard e Ellen brincam, se esgueirando na beira do rio, caçando um inimigo imaginário. Até que em um determinado momento eles escutam: “Pare senhor! Me deixem em paz, por favor!” Seguido por risadas. Então as crianças chamam Brian que chega falando alto com um passarinho na mão.

Brian: “Olha o que eu achei pessoal!”

Ellen: “Quieto Brian!”

O menino faz uma cara de que deu uma mancada e tapa a cabeça do passarinho que piava alto, calando-o para sempre. Quando eles se aproximam da margem do rio, mais à frente, encontram Balin rodeado por 5 garotos com espadas de madeira nas mãos. Eles devem ter uns 12 verões, vestem corseletes de couro, dois deles são loiros e dois sãos ruivo e um tem cabelos pretos. Um dos ruivos é maior que Bernard e é forte e gordo como um touro.

Denzel (loiro): “Vamos Balin! Me ataque! Faça alguma coisa seu covarde! O Bigorna não vai fazer nada com você.”

Balin: “Eu não posso Senhor! Eu posso morrer por isso.”

Accolon (ruivo): “Covarde!”

Então o outro garoto oferece à Balin sua espada de treino.

Vaughan (loiro): “Tome a minha espada cozinheiro. Mostre o que sabe. (com uma voz convincente) Não contarei nada para o Mestre Einion. Juro por São George.”

Balin encorajado pelo pajem pega a arma de treino e Denzel o ataca muito rápido. O cozinheiro desvia do primeiro golpe girando e passa a perna em Denzel que cai de costas na grama e fica olhando assustado para o plebeu. Então Balin leva um empurrão dos outros dois e cai de costas. Denzel se levanta e os outros meninos começam a chutá-lo e a cuspir no garoto. Bernard ajusta o seu balde na cabeça preparando-se para lutar.

Robert: “Que desgraçados!”

O pequeno Conde pega uma pedra e atira em um dos garotos e erra o arremesso.

Vaughan (Loiro): “Cuidado!”

Accolon (ruivo): “Em linha rapazes!”

Denzel (loiro): “Atrás de você Accolon!”

Uma pedrada jogada por Ellen derruba o menino grande e ruivo que se agarra em uma árvore. Brian e Bernard tentam acertar os garotos, mas erram. Ellen, pequenina e muito ágil derruba Accolon com uma rasteira.

Bigorna: “Peguem a garotinha! Ela é rápida demais!”

Então os garotos se lançam contra ela. Ellen se vê cercada por aqueles meninos maiores que ela. Quando ela vê o punho de um deles vindo em direção ao seu rosto instintivamente fecha os olhos. Seu estômago se revira de medo. Por um segundo parece tudo ter se mergulhado em total silêncio. Ela abre os olhos e está separada por um fino véu. Mas sabe que está vendo tudo dentro de sua mente. Na verdade os seus olhos permanecem fechados. Ela vê seus amigos lutando lentamente em uma velocidade quase imperceptível e vê, do lado de dentro do tecido, uma flor. E ela parece ter um pó dourado em seu interior. Ellen pega essa flor e assopra no rosto do garoto. O pó dourado atravessa o véu se tornando transparente. Ele parece não perceber nada. De repente, com um impulso, ela é jogada novamente na realidade e de sua boca sai a palavra: Dryslyd!

Então o soco do garoto falha! Ele tropeça e fica descordenado acertando o ar ao lado de Ellen. Ele tenta dar um passo mas suas pernas não parecem obedecer. O menino tropeça e fica olhando para a garotinha loira com os olhos cheios de medo. A volta brusca faz Ellen girar e cair de joelhos e vomitar. Nesse momento os três garotos param e dão um passo para trás. Enquanto Balin com o nariz sangrando se senta na grama.

Accolon (ruivo): “Esperem, esperem! É Magia. Ela lançou uma magia! Esse menina pode nos lançar uma maldição. Fique longe diabo. Afinal, quem são vocês?”

Ellen: “Digam vocês antes!”

Accolon (ruivo): “Sou Accolon, esse é meu primo Vaughan e o outro é Denzel! O gordo agarrado na árvore é Bigorna.”

Bernard: “Somos netos de Sir Amig! Sabiam?”

Bigorna: “Ah, sim, Sir Balde! Como não... O Conde manco, o filho do demônio, a menina que quer ser menino e o bastardo de Sir Enrick. Estaremos bem com escudeiros assim.”

Os outros riem dando passos para trás desconfiados de Ellen.

Denzel (loiro): “Não de conversa para os novatos. Quer dizer que querem proteger o cozinheiro? Sabiam que ele é filho de um saxão?”

Balin: “Graças ao pai deles estou aqui. Eles salvaram minha mãe de Wight. Foi Sir Amig que nos trouxe para vivermos em Tishea.”

Então um chifre de batalha soa.

Vaughan (loiro): “Vamos rapazes! Deixem os amigos do saxão aí e esse pagão lançador de maldições! Hora do treino dos mais velhos! Tchau, fedelhos!”

Balin: “Obrigado! (ele diz limpando o nariz). Acho que quebrei meu dedo. A Senhora Nidian vai me matar.”

Ellen: “Esconda dela esse dedo quebrado!”

Balin: “Não posso! Tenho que cozinhar para ela.”

Um homem ruivo de barbas longas, usando um colete de couro, braceletes, calças de camurça e botas de pele aparece embaixo de uma amoreira.

Mestre Intendente Rupert: “Aí estão vocês! Não escutaram o chifre soar? Hora dos aprendizes trabalharem! Venham! Balin, direto para a cozinha. Deixe me apresentar pequenos Lordes: Sou o Mestre Intendente Rupert.”

Então Rupert e as crianças atravessam o bosque, sobem até o grande castelo negro e são levados até o pátio secundário. Lá existe uma trave de troncos de madeira e tapeçarias penduradas. Também existem troncos na vertical, 16 de cada lado do pátio, encaixados em canteiros circulares.

Mestre Intendente Rupert: “Podem tirar o pó dessas tapeçarias que a Aia Lora pediu! Batam de cima para baixo com o bastão. Nos vemos daqui a pouco.”

Então eles ficam horas ali no sol, espancando as tapeçarias, até que Rupert volta.

Mestre Intendente Rupert: “Trabalharam muito bem! Agora vocês vão cortar aquela lenha ali no canto. Sem reclamar! Quero cada tronco dividido em dois pedaços para o forno da cozinha.”

Eles vêem duas linhas de troncos colocados e fixados na posição vertical, 10 de cada lado. De um lado só dá para golpear do lado esquerdo e do outro com a direita. O mestre fica observando e corrigindo a forma que eles cortam a lenha.

Mestre Intendente Rupert: “Muito bem! Agora quero que vocês peguem aqueles barris e coloque-os na carroça. É o Hidromel que vai ser deixado para ser curtido na madeira até o próximo inverno e levado para as adegas subterrâneas para envelhecer.”

Cada criança levanta os barris, cada um de um lado, por um bastão de madeira. É muito pesado e desajeitado na primeira tentativa até que o intendente Rupert, acompanhado pelo seu filho, gordo e com o cabelo da mesma cor vermelha, vem lhes ajudar.

Mestre Intendente Ruperte: “Meus senhores tentem fazer esse movimento. Fica bem mais fácil.”

E eles ensina os garotos a carregá-los da forma correta com a mão esquerda para frente e a direita ao contrário. O trabalho é pesado e dura a tarde toda.

Anoitece e eles servem o jantar usando os ensinamentos que tiveram na hora do almoço. Sir Amig, sempre animado, conta piadas para os seus homens e bebe. Depois de trabalharem no salão de banquetes, eles voltam para a cozinha, e comem sentados no chão à luz de velas colocadas nos bocais de velhas garrafas de vinho. Sir Amig chega acompanhado de um rapaz novo e loiro que veste uma roupa de couro marrom e que tem o brasão de Tishea, cosido no peito, com o desenho de uma cabeça de cavalo em cada canto do escudo. Ele está de luva de couro e ferramentas para se trabalhar na estrebaria penduradas na cintura.

Cavalariço Ronei: “Boa noite mestres! Sou o cavalariço Ronei. O Mestre Einion determinou que durmam nos estábulos.”

Sir Amig: “É melhor se acostumarem crianças. Pagens e escudeiros em campanha quase não dormem. Trabalham à noite preparando armas, escudos e os cavalos em cada parada. Devem se habituar a dormirem juntos de seus cavalos e de seus senhores. Podem ir com eles pequenos aprendizes de porra nenhuma!”

Então as crianças entram no estábulo que fica no terceiro pátio dentro do castelo. No centro existe o piquet para treinamento de trote. A grande casa guarda uns trinta cavalos. O cheiro de estrume é forte. Os cavalariços dormem em amontoados de palha em um baia vazia. Outra foi destinada aos pequenos noviços. Eles estão fisicamente exaustos e cansados. Eles deitam na palha e sentem cada músculo de seus corpos doer enquanto uma tênue luz da lua entra pelas janelas da construção de troncos. Eles escutam o som da fogueira lá fora. Bernard fica apoiado nas baias observando e agradando os puros-sangues.

Robert: “Estou quebrado! Minha perna dói muito. Cortamos cebola, lenha, levamos panelas cheias de comida pro salão e carregamos a carroça de hidromel. Puxa! Achei que ia ser mais divertido ser um noviço. Quero lutar como o tio Algar, montar como o tio Enrick e comandar os homens pra vitória como a Tia Marion. O que vocês acham que vai acontecer com eles?”

Ellen: “Ah, eles sempre voltam.”

Brian: “Eles devem estar em uma missão secreta. Eu acho que eles vão voltar montados em dragões! Voando e cuspindo fogo. E eu acho que deve ter dragões aqui em Tishea também. Vocês ouviram os adultos falarem...”

Então Brian, dentro de uma baia, próximo a janela escuta a voz de Sir Amig lá fora.

Sir Amig: “Pois é Mestre Einion, você sabe que o treino tem que funcionar. Não quero expor meu sangue ao dever sem preparo algum.”

Mestre Einion: “Posso lhe garantir Sir Amig. Foi assim que meu pai, que deus o tenha, me preparou. Era o melhor sargento romano da ilha. Temos que nos inspirar nos métodos do antigo invasor. Eles dominaram meio mundo assim. Na idade que eles estão é a única forma deles aprenderem. Os outros garotos aprenderão da mesma forma se tudo correr da forma certa.”

Sir Amig: “Só força bruta não adiantará, não é mesmo? Terão que ter resistência com armaduras mais pesadas a cada movimento. Essa maldita arma que os romanos inventaram é desonrada. Qualquer ignorante pode usá-la e o nome só poderia invocar algo infernal mesmo: Besta!”

Mestre Einion: “Só com uma proteção mais sólida um cavaleiro poderá sobreviver a ela. E isso se tiver sorte. Usando uma proteção mais pesada eles terão que chegar perto do inimigo e achar as brechas nas armaduras. Os martelos de guerra terão que ser ponte agudos e as espadas pesadas. Machados são páreo para armaduras de couro. Já contra o aço o trabalho fica mais difícil. É uma nova era surgindo com novas armas. Sem falar no medo que terão que aprender a dominar para lutar da forma correta pensando em cada movimento. Força bruta será em vão Senhor.”

Sir Amig: “Entendo, você está certa Einion. Que tal um caneco de hidromel e uma partida de xadrez?”

Então eles vão embora. Bernard conta aos seus amigos o que escutou e depois todos vão deitar na palha. O sono vem rápido e eles dormem como uma pedra. Pela manhã eles são acordados por Ronei despejando um balde de água na cara de cada um.

Cavalariço Ronei: “Vamos acordar! Já os chamei três vezes. Vocês tem trabalho a fazer! Tirem o estrume, escovem, alimentem, dêem de beber e selem os animais.”

Logo eles começam o trabalho. Limpam o chão, dão feno e água para os cavalos, os escovam, verificam as ferraduras e colocam as selas. Bernard é o que mais se destaca, com rapidez e capricho sem assustar as montarias. As outras crianças tiveram dificuldade mas acabaram por fazer o trabalho.

Ronei se aproxima, inspenciona cada animal e verifica as estrebarias.

Cavalariço Ronei: “Garotos! Precisam melhorar algumas coisas. Mas para o primeiro dia está bom! Sir Amig os autorizou a irem montados até o bosque sagrado. Podem ir!”

Então eles saem trotando com os puros-sangues pelo terceiro pátio, passam pelo segundo, que já está com mais tapeçarias para serem limpas, barris para serem levantados e troncos para serem cortados novamente. Eles passam pelo principal e descem a estradinha de terra, contornando a colina pela esquerda, até que entram por entre os grandes carvalhos e os salgueiros. Logo à frente um círculo sagrado de pedra coberto de cipós e com as pedras todas esculpidas com símbolos mágicos surge à frente. No centro a relva é baixa e um bloco de pedra retangular serve como altar. Eles escutam um som por entre a mata e um druida com o manto branco se aproxima.

Mylor: “Ah, então vocês estão aí? Sejam bem vindos ao bosque sagrado.”

Ele retira o capuz e o Druida é jovem, deve ter uns vinte verões. Ele é loiro, com cabelos longos, sem barba e tem olhos azuis.

Mylor: “Sentem-se. Olhem ao redor. O bosque sagrado! Há milhares de anos os primeiros Celtas já cultuavam a deusa aqui. O povo vindo de uma terra que não existe mais, afundada no oceano, ergueu essas pedras. O circulo de pedras. Pontos de Energia tão fortes que abrem uma brecha no véu unindo os dois mundos. São lugares tão cheios de poder que somente os iniciados conseguem usá-los sem serem consumidos pela sua força e ficarem loucos. Muitos tentam nessa época difícil chamar os deuses antigos. Mas a presença dos deuses e a magia diminuiu muito na ilha desde que o nosso povo se dividiu e começou a cultuar o Deus novo. Por isso sofremos! A Terra está doente garotos. Avalon parece estar se movendo para dentro do véu. Vários druidas tentaram alcançar a ilha sagrada do outro lado das Brumas, como sempre fizeram, e não acharam nada. Se o nosso povo não expulsar o invasor e não reatar os laços com os nossos verdadeiros Deuses, Avalon e o seu conhecimento se extinguirão para sempre e o véu se tornará tão espesso que nunca mais o mundo se lembrará dos velhos ensinamentos. Não esqueçam crianças que cada vez que realizamos nossos Sabbaths e rituais estamos nos aproximando da deusa e do seu consorte. Assim a cada volta na roda do tempo eles se renovam e cobrem novamente o nosso mundo de magia. Está certo... Agora fechem os seus olhos, se concentrem e deixem os batimentos de seu coração diminuir. Escutem a natureza. Respirem e mantenham as suas mentes cheias de pensamentos bons. Agora escutem os tambores tocarem dentro de suas memórias mais antiga. Escutem o cantar de um corvo. Sintam o cheiro do mato. Dos lagos e das montanhas. Ouçam o som da guerra e do combate. E o som que ressoará uma vida inteira em seus ouvidos. O som da canção do aço.

Visão:

Eles se vêem em um campo vasto. Observam o mar de cima da falésia. Vêem as brumas e um pântano. Depois surge das brumas uma mulher guerreira com um corvo pousado no ombro. Ela tem cabelos vermelhos. Atrás delas um grande exército de guerreiros sem roupas, pintados de azul, empunhando escudos ovais. Eles gritam e cantam. Eles vêem um cavalo com uma ferradura brilhante montado por ela. Um poderoso guerreiro carregando uma lança dourada. Um outro com um martelo que emana uma luminosidade azul. E um deles portando um escudo, do tamanho de um homem, com um corvo pintado ao redor da boça de ferro.

De repente eles estão correndo todos de azul, usando lanças com pontas de pedra em meio à uma multidão, em um campo verdejante. É a alvorada e existem estrelas no céu que eles nunca viram. Tão antigas quanto a Britânia. Eles seguem a guerreira Ruiva que usa uma capa que imita a silhueta de uma floresta. Prendendo essa capa existe um grande broche dourada com um corvo encrostado em seu centro. Um guerreiro com lobos o seguindo usa um elmo com asas que brilha como a lua.

Eles caminham em meio à uma multidão. Homens e mulheres marcham juntos. Do outro lado um outro grupo chega. Eles são diferentes. Morenos, de cabelos escuros, usando machados com lâminas de pedra e vestindo peles de animais. São tão numerosos quanto eles e parecem terem vindo de outras terras. No centro do campo existe um monte e uma árvore.

Então os dois lados correm um em direção ao outro. O som de gritos e gemidos invadem o ar. Bem como o cheiro de sangue. Tudo vira um caos. Eles se vêem em meio à um combate enorme. Milhares de homens lutam ali. Eles, nus, com os corpos cobertos de azul, tentam sobreviver numa tempestade de armas. Bernard é atacado por um homem usando uma pele, de barbas negras, que salta em cima dele. Ele se vê, num corpo adulto, com os seus músculos retesados pintado de azul, erguendo a lança e deixando o corpo de seu inimigo ser traspassado. O rosto de seu adversário, com os olhos esbugalhados de dor e o sangue vertendo da boca, caindo no seu rosto, deixa o garoto fascinado. Ellen com o machado esmaga o ombro do seu inimigo explodindo em ossos, tendões e sangue. Robert fica maravilhado quando sente o corpo adulto, que ele ocupava, e a sua perna sem problema algum. Ele luta como um louco com uma lança. Mata um inimigo de um lado, joga o outro por cima dele e mata mais um que está ao seu lado. Brian usa um machado. Ele se abaixa. O golpe passa por cima de sua cabeça. Ele dá um passo atrás, e seu inimigo golpeia de baixo para cima, errando o golpe e expondo o seu tórax. Brian golpeia de cima para baixo e seu machado de pedra arrebenta a cara e o peito do seu inimigo lançando pedaços de cérebro e ossos para todos os lados. Eles vêem um companheiro de azul morrer com o crânio rachado por uma pedra. A mulher ruiva montada em um cavalo lindo e negro luta abrindo caminho. Até que ela desce no pé do carvalho sagrado, que emana uma fumaça da sua base, e ela enfrenta um homem maior que ela. Um guerreiro usando uma coroa feita de cipós. Ela começa a ser enforcada após ser subjugada. Seu corvo bica o olho do homem o cegando. Então um homem, quase um gigante, atira a lança sagrada do meio do campo de batalha. E ela não erra o alvo. O Deus inimigo está morto. Tudo se silencia enquanto a tribo de estrangeiros corre sumindo no horizonte. Então a guerreira e os sobreviventes se ajoelham perante a árvore sagrada enquanto eles vêem milhares de cadáveres e corvos pousados entre eles. A guerreira vai até a árvore que parece fumegar em suas raízes e ela empurra com o pé uma rocha e surgem escadas. Então ela olha satisfeita e ergue a lança gritando em um idioma há muito esquecido: “Britânia! O último tesouro agora nos pertence!”

Então as crianças despertam assustadas com a respiração acelerada. É a primeira vez que passam por essa experiência. Eles estão um pouco enjoados e tontos e com os sons ainda ressoando na mente.

Mylor: “Muito bem! Se acalmem. É normal que as visões no início pareçam tão reais que vocês não consigam distinguir a realidade e o outro lado do véu. Muito bem! O que entenderam?”

As crianças contam toda a experiência. O Druida fica boquiaberto. É muito raro que um grupo de noviços compartilharem a mesma visão.

Mylor: “Vocês viram o décimo terceiro tesouro da Britânia. O Caldeirão de Clyddno Eddyn. Dizem as lendas que ele era capaz de rejuvenescer as pessoas se usado da forma correta. Houve uma guerra por ele no alvorecer de nossa civilização. E nós o conquistamos com a ajuda dos deuses que nos presentearam com os 12 tesouros da Britânia mais o Caldeirão. Bem, a nossa manhã foi bastante proveitosa. Podem ir então. Até amanhã. Já é quase a hora do almoço e a Senhora Nidian os espera!”

Ainda com a cabeça rodando, com os sons da batalha apitando nos seus ouvidos, eles trotam até o pátio onde fica a cozinha.

Senhora Nidian: “Venham porquinhos! Lavem as mãos que eu tenho uma tarefa para vocês. Existe um ditado celta chamado: A boa mesa para a alegria e sustento dos guerreiros. Ele diz: Três mortes são melhores do que a vida: a morte de um inimigo, a morte de um porco gordo e a morte de um ladrão. Hoje realizarão o segundo verso. Matarão um porco, aprenderão a limpá-lo e a cozinhá-lo. O bicho está solto no terceiro pátio. Podem ir. Ah... Não se sujem muito de sangue.”

A Senhora Nidian entrega um punhal para cada um deles. Quando chegam no terceiro pátio um grande porco caminha por ali. Ele olha para os garotos e mostra os dentes correndo para perto de uma das paredes. Bernard fica com pena do porquinho rosa assustado. Mas Brian, Robert e Ellen tentam cercar o animal. Ele corre por baixo da perna deles. Eles acuam o porco que tenta lhes morder. Ellen pula nas costas do bicho e o degola. Mas não o suficiente para matá-lo. O porco tenta mordê-la. Ela tira a sua mão no último instante caindo das costas do animal. Então ele corre na direção de Brian e morde bem no meio das pernas do garoto ruivo que cai segurando as suas partes. Então Robert espanta o porco em direção à Ellen e quando o bicho passa correndo ela lhe apunhala deixando que a lâmina rasgue as costas do porco. Finalmente o animal cai ferido respirando com dificuldade. Ele tenta se levantar, mas não consegue, enchendo de sangue o cascalho branco do pátio com o sangue esguichando a cada batida do coração. Então o animal morre. Em uma janela acima Sir Amig está rindo alto.

Sir Amig: “Foi um combate épico crianças! Parabéns!”

Senhora Nidian: “Tragam o almoço pra cá e o pendurem ali e o degolem direito para o sangue escorrer!”

Então eles carregam o pesado animal para a cozinha e penduram em cima de uma banheira de ferro. Balin está ali cortando as verduras com a mão quebrada em uma tala. Ele inclina a cabeça os cumprimentando. Logo que todo sangue é retirado a cozinheira coloca o animal em cima da mesa e os ensina a abrir a barriga do bicho e a retirar as tripas para se fazer chouriço e retirar os órgãos para serem consumidos. Depois eles cortam as costelas e a cabeça, considerada uma iguaria, e tudo é salgado e colocado no sol pra secar.

Senhora Nidian: “Que cara é essa porquinhos? Não quero frescura na minha cozinha. Vão se lavar para servirem o almoço.”

Depois de servirem o almoço eles comem sentados no chão da cozinha. Sir Amig surge pela porta do pátio.

Sir Amig: “E então pequenos! Como está indo as férias aqui em Tishea?”

Ellen: “Eu achava que férias era brincar e se divertir Vô!”

Brian: “Eu quero minha casa, meus cachorros, minha mãe!”

Sir Amig: “Vocês são uns reclamões mesmo. Na minha época eu não tinha que caçar porco para o almoço. A gente tinha que caçar ladrões, escravos que fugiam dos romanos. Muitos pagens morriam antes de terem pêlos embaixo do braço. Falando nisso vocês já têm? Deixa eu ver!”

Os meninos erguem o braço.

Sir Amig: “São uns franguinhos ainda!”

Senhora Nidian: “Porquinhos, senhor!”

Sir Amig: “Isso. Mas, crianças assim vocês perdem o medo de matar. Começamos com criaturas menores. Mas se um porco luta desse jeito sabendo que vai morrer, imaginem uma pessoa. Nunca se esqueçam disso. (então ele bate na perna) Então está certo, se lavem subam até a sala da corte. Adrien está os esperando para a lição de dança.”

Bernard: “O que? Dança? Não...”

Sir Amig: “Estão me olhando porque? Um Franco sempre ensina melhor essas artes do que um celta. Logo vão me agradecer. Podem ir!”

Então eles saem da cozinha, sobem vários degraus por uma das torres até que chegam no terceiro andar do Castelo. Uma grande porta esculpida com espirais celtas guardada por dois guerreiros é aberta. Lá dentro usando o chapéu com penas de pavão e uma roupa toda vermelha carmim, com os cabelos encaracolados, está Adrien e três bardos tocando.

Adrien: “No, no, no seus bardos de terceira categoria. Eu quero uma música mais ritmada. Ah, aí estão vocês pequeninos. Eu sou Adrien e vim lhes ensinar a bailar. Flutuar e encantar! (Ele olha para Bernard). Uh Lá Lá, que belo rapaz! ”

Bernard fica com uma cara de poucos amigos.

Adrien: “Como combinamos bardos celtas de mãos pesadas toquem!”

Então ele pega Ellen pelas mãos.

Adrien: “Dançar não é só uma série de movimentos me petits enfants! Tem que se soltar! Passo a passo, fluir! (Ele conduz Ellen girando em um movimento suave) Deixar a música preencher sua alma (Adrien roda Ellen). Sentir o coração pulsar como um tambor e voar como um falcão (O Franco levanta a menina fazendo a voar). E no final chegar de onde partiu fluindo como o rio para o oceano. (E fica numa pose ajoelhado junto de Ellen).”

Eles sorriem olhando o estranho Franco.

Adrien: “Então quero os 4, em fila, na minha frente. Primeira posição. Mão esquerda para frente e mão direita erguida em cima da testa. Tré Bien. Dois passos pra frente com o pé direito conduzindo. Erguam a mão direita e recolham a esquerda trocando os pés. Sempre fazendo este movimento junto com a música. Vamos (batendo palmas) Un, deus, trois!”

Brian: "Porque temos que dançar?"

Adrien: "Ah, o ruivinho não quer dançar? Tem que aprender. Você não quer arrumar uma namorada na corte?"

Brian dá de ombros contrariado. Depois de algum tempo fazendo os movimentos Adrien fala.

Adrien: “Ah! As meninas vieram. Se aproximem. Essas são as filhas de alguns dos homens de armas de Sir Amig que chamei para nos ajudar."

Elas entram no salão. Duas morenas tímidas de olhos verdes, Brina e Enid e uma menina de cabelos loiros e olhos azuis, Newlyn. Cada uma delas com 10 primaveras.

Adrien: “Você, olhos azuis (Newlyn), irá dançar com Brian. Dançarei com Ellen, Bernard com a loira (Brina), Robert com a outra (Enid).”

Bernard parece ter sentido algo muito estranho. Seu estômago parece se revirar. Ele se sente meio estranho e desajeitado. O menino parece apaixonado.

Adrien: “Então vamos lá! Sem timidez, hein? Todos separados como eu ensinei o primeiro passo, un, deus, trois, 1,2,3, un, deus, trois, 1, 2, 3. Agora se virem para o parceiro na primeira posição, pegue em suas mão esquerda e gire-o. Se preparem e também deixem ser girados girem e quando soltar e fechar 360 graus caírem na posição inicial. Isso! Agora façam de novo. 1,2,3, 1,2,3, 1,2,3. Agora a última lição do dia. O parceiro lhe oferece o braço e o outro se inclina para a direita, então ela lhe oferece o outro braço e vocês pequeninos se inclinam para a esquerda. Ai vocês giram para trás de seu paceiro de dança pela esquerda, tocando o seu ombro com a mão direita, e giram para a sua frente parando na posição 1. Vamos tentar. 1,2,3, 1,2,3, 1,2,3...”

Eles ficam horas ensaiando cada movimento.

Adrien: “Tré Bien! Hoje o dia foi muito produtivo. Aprenderam belos movimentos. Podem ir. Xô, xô!”

Quando as crianças estão descendo a escada para irem ao pátio, já no final da tarde, eles vêem uma porta aberta que estava trancada quando subiram para a aula.

Robert: “Olha só! Parece que eu vi alguém sumir pela parede. Dane-se, eu vou atrás!”

E Robert mancando vai direto para lá. Brian sacode a cabeça e se sente obrigado a segui-lo. Ellen e Bernard fazem o mesmo. No interior da grande sala somente um archote arde preso à parede. Tudo está meio escuro e cheio de sombras. No fundo da grande sala existe um guarda roupa aberto do teto ao chão. No interior a madeira foi retirada e a parede de pedra está aberta formando uma porta, ou melhor, uma passagem secreta.

Está tudo escuro como a noite. Eles pegam o archote e Robert segue na frente. Então eles percebem que existe uma escada em caracol que os leva para baixo. As sombras se refletem pelas paredes dando arrepios de medo nas crianças.

Robert: “Vamos! Finalmente vamos ter as férias legais que a gente queria!”

Eles vêem nas paredes tapeçarias de um gigante sacudindo uma torre do castelo de Tishea. Que parece desabar. Pode ser vista uma bela moça na janela, de cabelos longos e loiros, enquanto um cavaleiro de cabelos castanhos longos, com o escudo pintado com os três cabritos, ataca corajosamente as pernas da criatura com uma lança.

Eles continuam descendo até que chegam em um corredor plano. Ali existe outra tapeçaria. O desenho da mulher que estava na torre deitada com uma flor na mão. O cavaleiro, que enfrentava a criatura na outra tapeçaria, ajoelhado diante dela e caindo uma lágrima de seu olho. O gigante parece morto com os braços caídos por entre a muralha do castelo.

Não existem portas laterais neste corredor, somente uma bem grande no final. Uma grande cabeça de cabrito, com os cornos enrolados, está colocado na soleira. Quando encostam na porta ela vai abrindo devagarinho. Lá dentro só existe escuridão. Do outro lado eles escutam passos uma porta abrindo. Mais passos ecoando e a porta se fechando.

Dentro do lugar um cheiro de mofo. O teto do salão é bem alto e quase a tocha não consegue iluminá-lo. Mesmo assim eles podem notar dois grandes lustres cheios de velas derretidas e cobertos de teias de aranha. O desenho da roda dos Sabbaths pode ser visto no teto. O chão tem um tapete vermelho cheio de pó. Eles vêem seis grandes pedras, três de cada lado do tapete. Elas tem uns três metros de altura. Elas possuem aberturas para colocar objetos, mas estão vazias. Iluminando melhor eles estremecem quando percebem que são seis crânios de gigantes. Nas paredes eles vêem os troféus de guerra de Sir Amig:

- Uma tapeçaria mostra o mesmo cavaleiro, bem mais jovem, das tapeçarias das escadas, lutando ao lado dos Romanos, liderando a Cavalaria. O Ano 453 escrito embaixo e em cima escrito Batalha da Gália. Do outro lado um exército vestindo roupas estranhas empunhando espadas e atirando com arcos pequenos montados em seus pequenos cavalos.

- Um estandarte manchado de sangue marrom, antigo e amarelado, comido em parte por traças com o brasão de Salisbury. Ele é vermelho com um leão no centro amarelo e três meia luas em V invertido. Está escrito: Estandarte levado com orgulho pelos guerreiros de Salisbury na Rebelião contra o Rei Vortigern. Batalha de Cambridge. E embaixo escrito: Em memória aos jovens companheiros tombados em batalha, Ano 462.

- Um elmo rachado no meio em formato de javali e uma espada que um homem normal não conseguiria empunhar quebrada em três pedaços. Embaixo escrito: Espada e elmo do Rei Vortigern, morto por Sir Amig em um combate singular, acabando com a tirania na Britânia em 468.

Eles caminham até o fundo do salão e acham uma pequena coluna sem nada no topo. Numa inscrição na própria pedra está escrito: Caldeirão usado no ritual de casamento entre Lady Anne e Sir Amig. Eles percebem que um objeto com o fundo redondo e pesado estava ali mas parece ter sido removido. No final da galeria uma porta dupla foi esculpida com a Deusa e o Deus abraçados. Atrás dela a Lua e dele o sol.

Robert: “Vamos venham! Isso está ficando interessante!”

Eles continuam descendo uma escadaria longa que se estende para baixo. À frente só escuridão e barulho de água. Eles escutam vozes baixas mas não entendem o que estão falando. E eles escutam mais passos sumindo pela galeria que está tomada pela escuridão. Logo uma luz difusa surge no final do túnel e algo voa sobre suas cabeças vindo de lá. Um bando de morcegos tromba com eles. Eles protegem o rosto enquanto os animais voam as centenas. Ellen fica apavorada, gritando, enquanto alguns deles se enrolam em seu cabelo longo e loiro. Bernard a abraça enquanto os animais somem na escuridão.

Bernard: “Calma irmã. Eles estão mais assustados que você.”

Continuando eles percebem que estão margeando uma galeria de águas fluviais. Logo vários archotes iluminam a passagem e as suas próprias sombras se projetam nas paredes amareladas pelas luzes das chamas. Por uma passagem em arco eles saem em um jardim. Já é noite e o céu negro está coberto de estrelas. A lua cheia ilumina a caminhada. Olhando ao redor as crianças vêem uma grande pedra redonda e plana, com um monolito que possui uma chama azul que queima em um nicho, no centro deste jardim. O lugar é rodeado de carvalhos e salgueiros que crescem próximos a água do riacho, prateada pela lua, que corre estreita pelo jardim.

Quando se aproximam percebem que nesta pedra no chão circular está esculpida a árvore da vida. No monolito de pedra branca está inscrito uma runa representando o amor. Ali no chão Bernard acha um martelo de Thor, caído, esculpido em osso.

De repente quatro pessoas surgem vestidos com capas pretas e capuzes da mesma cor. Brian leva um golpe com um bastão na cabeça. Ele vê tudo rodar e apaga. Bernard vê sua irmã ser atacada e ela desmaiar. Robert é carregado por alguns metros e um soco tira o menino de ação. Bernard desvia do bastão que vinha em direção a sua cabeça. Então eles escutam o som de passos e latidos de cachorro. As pessoas que os atacaram olham e correm, desaparecendo na escuridão da mesma maneira que surgiram. Um cachorro, ou melhor um Mastim, com mais de 100 quilos entra no jardim. Ele chega latindo e uiva. Depois com o pelo eriçado vai lentamente se aproximando e rosnando. Então ele pula no peito de Brian... Ele se aproxima com os dentes e a boca babando olhando o menino nos olhos. Robert, Ellen e Brian se sentam com as cabeças doloridas. Eles assistem a cena horrorizados. Então eles ouvem.

Mestre de Caça Eudaf: “Dragão! Junto!”

Então o grande Mastim sai de cima de Brian e vai para o lado do cavaleiro loiro com a capa vermelha cobrindo a cota de malha e por cima usando o brasão vermelho com a faixa amarela em V invertido e dois chifres de caça dourados no topo.

Mestre de Caça Eudaf: “Mestre de Caça Eudaf ao seu serviço pequenos mestres. (Ele ajuda Brian a levantar) Vocês estão bem?”

As crianças concordam com a cabeça.

Mestre de Caça Eudaf: “O que vocês estão fazendo aqui a essa hora da noite?”

Robert: "Aproveitando as minhas férias."

Brian: "Roubaram o caldeirão de Sir Amig."

Mestre de Caça Eudaf: “Mesmo? Devo levar-lhes a presença de Sir Amig imediatamente. Dragão! Na frente! Atenção homens vasculhem o bosque e a sala dos gigantes.”

E seis lanceiros surgem por entre a cerca viva que circula o jardim e seguem pelo caminho contrário que as crianças fizeram. Elas e o mestre de caça chegam no salão de audiências do castelo. Num trono de madeira no estilo celta está Sir Amig tomando hidromel e conversando com Mestre Einion.

Mestre de Caça Eudaf: “Perdão meu senhor! Achei as crianças no bosque da tumba de Lady Anne. Pareciam assustados.”

Sir Amig: “Obrigado mestre Eudaf. Pode ir. O que foi pequenos?”

Então as crianças desembestam a falar uma em cima da outra enlouquecidas.

Sir Amig: “Quietos! Se eu entendi vocês foram atacados. Vá verificar imediatamente Eudaf.”

Brian: "Achamos esse martelo de Thor no jardim."

Sir Amig o examina sem dizer nada. Então o mestre Eudaf retorna depois de um tempo.

Mestre de Caça Eudaf: “Realmente senhor os meninos tem razão! O Caldeirão desapareceu!”

Sir Amig: “Isto é um ultraje! Um absurdo! Quero quem fez isso jogado na masmorra. Melhor, quero a mão cortada desse ladrão! Esse Caldeirão significa muito pra mim. Vão deitar crianças. Esta noite irão descansar no quarto que era de sua mãe Ellen. Vocês merecem, foi um dia cheio. Podem ir! Aia Lore pode levá-los!”

Uma Aia com os cabelos cobertos pela túnica cinza e bem velhinha os acompanha.

Aia Lore: “Venham crianças!”

Então eles são levados até o quarto que era de Marion. A cama tem uma armação em cima e um grande baú. No baú de sua mão Ellen acha uma corda de arco, um coração de prata, dentro escrito Anne, um bracelete de couro com uma runa celta, cinco flechas com pontas de sílex, um saquinho de couro cheio de ossinhos e uma zarabatana.

Uma cama lateral sai debaixo da principal com rodas de madeira e um colchão de palha é trazido. Um archote é acesso. Um bonito espelho de bronze martelado ocupa uma das paredes e um arco para criança está pendurado na parede. Ellen pega a pequena arma.

Aia Lore: “Se deitarem agora irei lhes contar a verdadeira de história de Sir Amig. Garanto que será inesquecível."

Então as crianças voam para a cama e se cobrem ansiosas pela história.

Aia Lore: “Há muito tempo atrás, Sir Amig, era um escudeiro novinho com só 15 verões. Seu senhor era Sir Devin. Um cavaleiro corajoso. Um paladino e poeta famoso na Britânia. Eles eram vassalos dos romanos aquela época. Não tinham escolha os pobre coitados. Então surgiu um guerreiro fantástico, vindo de longe, de uma terra além de onde o Sol nasce! Era Átila dos Unos com um exército extraordinário! Esse homem varreu o continente e depois voltou seus olhos de cobiça para a ilha. Então antes de atravessarem o canal, milhares de cavaleiros romanos e celtas rumaram para a Gália e combateram dias sem cessar contra o invasor. No meio da batalha Sir Devin, acompanhando de seu escudeiro inexperiente Amig conseguiu se aproximar de Átila mas quando ia desferir o golpe final e matar o Flagelo de Deus, o Paladino foi atingido por um chicote, da guarda do guerreiro, e caiu de seu cavalo quebrando um dos braços. Amig lutou como um louco tentando defender o seu Senhor. Mas em vão, o mesmo chicote que o derrubou serviu para carregar Sir Devin e arrastá-lo para longe. Enquanto o cavalo do inimigo trotava, o poeta quebrava todos os ossos de seu corpo atravessando a ponte de espadas.”

“Ainda empunhando o estandarte de seu mestre, num golpe de sorte ou ajudado pelos deuses, Amig viu uma oportunidade, perseguiu e derrubou Átila de seu Cavalo golpeando com o cabo de madeira do Brasão de seu mestre as pernas da montaria do inimigo. Tendo certeza que ia matar o grande homem, Amig ergueu sua lâmina e baixou a espada com toda força. Mas tudo o que o escudeiro conseguiu foi acertar a grama. A Cavalaria de Átila passou e carregou seu líder para longe enquanto o inimigo batia em retirada. Pela primeira vez Átila teve que recuar em uma batalha. Naquele mesmo dia Ambrosius, irmão do rei Uther e Pendragon na época, armou em campo de batalha Amig, dando as suas próprias esporas de prata, e o jovem escudeiro começou a se tornar uma lenda.”

“Mas não pensem que ele parou por aí. Alguns anos depois Sir Amig recebeu a posse de Tishea. O único problema é que essas Terras eram inóspitas, nem tinha um castelo por aqui. Tishea era dominada por Gigantes. Os primeiros saxões que Vortigern, o Rei Traidor, trouxeram, capturavam e criavam essas criaturas nesses campos, onde o castelo foi construído. Sir Amig chegou e com a ajuda dos Romanos e principalmente dos homens de Sir Roderick, antes de ser Barão e depois Conde, e do Príncipe Uther, matou a maioria deles. E foi colecionando aquelas cabeças que vocês viram no salão lá embaixo.”

“Na época Sir Amig tinha uns 20 verões e Lady Anne, filha do finado Sir Devin, seu avô Ellen, era uma das Ladies mais bonitas da Britânia. Inclusive ela estava prometida para um dos Generais Romanos que dominavam a ilha: Romulus. Um homem viúvo e de idade avançada. Até que Amig e ela se conheceram em um banquete, se apaixonaram e o corajoso cavaleiro a roubou. Sir Amig escapou da punição, que seria a morte, somente porque tinha tanta glória perante aos guerreiros na ilha que sua execução poderia deflagrar uma revolução dos celtas contra Roma. Só restou a Romulus duelar com Sir Amig. Em dois golpes o General foi morto com as tripas pra fora e vomitando sangue pela espada do Senhor de Tishea.”

“Então Sir Amig e Lady Anne se casaram e tiveram uma filha, Lady Marion, a mãe de Ellen. Mas um dia, quando Anne estava grávida de Sir Dylan, veio a vingança. O filho de Romulus, Flavius fez uma aliança com um dos líderes saxões da ilha, e usou dois gigantes para atacar Tilshea. Sir Amig desesperado lutou ao lado de seus guardas e cavaleiros e mandou levar Lady Anne para a torre oeste onde estaria protegida. Ele conseguiu abater um dos Gigantes quando no alto da muralha acertou a criatura com uma balestra romana armada com um longo arpão envenenado por estrato de raiz de Acônito. A arma sempre estava pronta na defesa contra estas criaturas, já que naquela época essas terras ainda não tinham sido pacificadas. O segundo gigante foi detido por um gigantesco caldeirão de óleo fervente jogado em suas pernas. A criatura com dores horríveis se debateu até que não resistiu e caiu. Mas antes ela se agarrou à torre, justo onde estava Lady Anne. E logo veio tudo abaixo em blocos de pedra negras. Aquela torre com pedras diferentes que vocês devem ter visto quando chegaram. Por fim a criatura morreu e Sir Amig desesperado correu até lá mas era tarde demais. O corpo de Lady Anne parecia intocado. Sir Amig ainda a encontrou viva no meio dos escombros. Os físicos vieram e disseram que tinham que escolher entre ela e a criança. Lady Anne fez Amig jurar que respeitaria sua decisão e que deveria amar o bebê que nasceria, pois Lady Anne, escolheu dar a vida a Dylan. Ali mesmo em meio aos escombros da torre caída uma sacerdotisa de Avalon retirou o bebê e Anne partiu para o ventre da grande mãe. Agora ela descansa no jardim, com o coração da chama eterna ardendo sob o sol e as estrelas.”

“Mas calma, vocês acham que Sir Amig ia ficar chorando em seu castelo e a história ia acabar assim? Buscando vingança Sir Amig foi até a fortaleza de Flavius sozinho. Escalou a muralha à noite. Matou duas sentinelas, invadiu o quarto e desafiou o inimigo para um duelo. Com um golpe decapitou seu inimigo sujando a cama de vermelho carmim. Então Amig matou os seis filhos do Romano que dormiam e deixou a fortaleza pela porta da frente com a cabeça do homem em suas mãos. Ninguém teve coragem de impedi-lo. Sir Amig nunca mais derramou uma lágrima e nunca mais falou a respeito do acontecido.”

“Dizem que ainda nas noites silenciosas pode se escutar os lamentos de Anne na torre vizinha a esse quarto. Mas não se preocupe, os vivos são mais perigosos que os mortos pequeninos. Durmam bem!”

Então a Aia Lora sai do quarto apagando as velas. E as crianças no escuro podem escutar o som do vento cortando as torres e por vezes parecem ouvir um choro em meio ao assobiar do vento.

Robert: “Eu não vou me levantar nem pra ir no penico."

Todos eles, embaixo das cobertas, tremem de medo até chegar o sono.

Ao amanhecer eles acordam escutando um burburinho no segundo pátio do castelo. Quando olham pela janela vêem os Escudeiros, Servos da Cozinha, os Cavalariços, os Guardas, Adrien, Aia Lora, Mestre Einion, Mestre Eudaf e Dragão. Todos estão em fila e na trave onde as crianças estão acostumadas a bater as tapeçarias está amarrado Balin. O garoto está com os braços esticados e atado pelos pulsos. O menino está com a cabeça pendendo para frente e suas pernas moles. Sir Amig caminha, sem o peitoral da armadura, com uma cara de poucos amigos, ao redor. Eles vão direto para lá.

Sir Amig: “Mas que droga Balin! Porque diabos vocês não podem viver tranquilamente sem fazer uma grande cagada? Vocês sabem qual a pena para roubo? É a amputação da mão! E é isso o que vai acontecer se você não falar onde escondeu o caldeirão.”

Balin, com o rosto machucado, suado e cansado diz.

Balin: “Não fui eu Senhor! Não fui...”

Sir Amig retira a sua espada de duas mãos da bainha e caminha olhando garoto.

Sir Amig: “E porque achamos suas coisas arrumadas para partir do castelo?”

Balin: “Porque eu sabia que iam me acusar senhor.”

Então Sir Amig ergue um pingente de um martelo de Thor, esculpido em osso, diante dos olhos do garoto.

Sir Amig: “Mas é claro! Nem para roubar serve. Um ladrãozinho de merda. Deixou cair o seu martelo de Thunor quando fugiu e ainda atacou meus netos no jardim de Anne.”

Balin: “Faz semanas que perdi meu amuleto Senhor! Não fiz nada, por favor, clemência.”

Bernard: "Não foi ele Vô!"

Brian: "Foram quatro que nos atacaram. Balin é menor que eles."

Sir Amig: “Se vocês dizem... Irei dar um voto de confiança por causa dos meus netos. Ouviu bem? Por hora, Balin, ficará na masmorra. Se eles tiverem razão o rapaz será libertado.”

Mestre de Caça Eudaf: “Desde que encontrei os meninos no jardim, Sir Amig, ninguém passou pelos portões de Tishea. Isso eu posso lhe garantir, ou Dragão teria nos alertado. Tenho certeza que o caldeirão ainda está por aqui.”

Sir Amig: “Certo! Quero todos procurando por esse Caldeirão! Guardas, vasculhem o bosque de caça com o Dragão. Einion quero cada casa dos aldeões revistadas. Eu irei revirar o castelo. Bernard, você é o mais velho, vocês vão para o bosque sagrado e revirem tudo. Adrien, ééééé, pode ir dançar... Combina mais com você!"

Primeiro eles decidem ir ao castelo novamente. Carregando mais tochas eles acham mais pistas fazendo o mesmo caminho. Bernard acha pegadas um pouco maiores que a sua e, no jardim, acha uma passagem por entre a cerca viva.

Bernard: "Já sei! Foi Accolon e seus amigos. Eles são um pouco maiores que nós e odeiam Balin. Isso explica a pegada. Eles lutavam bem. Só podem ser os escudeiros."

Eles caminham pela passagem achada e a estradinha de terra leva à uma bifurcação. Uma para o bosque de caça e outra para o sagrado. Eles decidem ir até o segundo. Lá dentro eles caminham por entre os azevinhos, salgueiros e carvalhos. As árvores estão verdes e as rosas coloridas. Coelhos, raposas e seus filhotes correm enquanto eles caminham pela trilha que conduz até o círculo de pedras antigo em um descampado. Os pássaros cantam enquanto as crianças escutam o som do riacho que corre ali próximo. O cheiro da natureza está por todo lugar. Nos arbustos próximos eles vêem algo se mexendo. Então um bando de codornas correm assustadas.

Eles continuam a caminhar e mais sons chegam até ali. Então eles saem em um descampado. Um som vem de trás e se aproxima em pequenos passos. Sons de fungadas e finalmente ele se revela. Um javali adulto macho sai correndo detrás do mato. Ele sacode a cabeça dando um rosnado e mostrando os dentes pontiagudos. O bicho olha e para por um instante. Então em um salto ele solta um rugido e corre a toda velocidade em direção às crianças. Ele é bem pesado e tenta os alcançar.

Bernard: "Corram!"

Ellen: "Eu vou ficar e lançar uma magia!"

Brian: "Não vai não!"

Eles pegam Ellen cada um de um lado e arrastam a corajosa menina para longe. Eles correm como nunca correram antes escutando o animal gordo e forte mover-se rápido. As raízes atrapalham as passadas e eles tropeçam no descampado. Eles continuam a correr em desespero em direção à mata. Por entre as árvores à frente o terreno começa a subir fazendo eles escorregarem na relva ainda úmida pelo orvalho da noite. Uma leve bruma cobre o lugar.

Então eles chegam no alto de um morro. Existe um enorme e antigo carvalho no topo. Ele é espetacular cheio de galhos e musgos. Espirais celtas estão esculpidas em seu tronco. Pela altura delas estão ali há muitos anos. E em cada galho pedras com runas inscritas foram penduradas e estão bastante desgastadas pelo tempo. Um vapor forte emana de sua base. Ellen está mais atrás. Então o Javali surge na base da colina e se aproveita deste segundo de distração e pula nela.

No momento que a terrível criatura, pesando a massa de dez homens salta, o medo toma conta de Ellen. A menina sente o seu corpo entrar de costas no véu, como se mergulhasse em um lago. Ela olha e sua aura está repleta de luz branca, 1000 vezes mais forte que o sol. Então o véu parece atirá-la novamente para o mundo mortal como se saísse para a superfície de um lago abruptamente. Quando ela retorna para a realidade palavras são arrancadas de sua garganta: Trowch i'r Dellion. Por uma batida do coração todos vêem um flash e então só escuridão. Todos estão cegos. Ellen sente o peso do animal atingindo o seu corpo de raspão e tropeça para trás batendo com toda força no chão. Todas as crianças sentem que algo está errado quando o chão parece ter desaparecido. Logo o impacto causa dor e o gosto de terra molhada enche as suas bocas e narizes. Todos estão cegos e não sabem onde estão.

Após algum tempo a visão vai retornando. Os quatro e o Javali estão no fundo de um poço antigo. O animal está num canto semimorto respirando com dificuldade com o pescoço torcido e quebrado. O buraco, com paredes de arenito marrom e bastante profundo, ainda derrama um pouco de terra neles. Lá de baixo eles conseguem ver os galhos do grande Carvalho e o som das folhas da árvore sagrada se agitarem com o vento. Pouca luz vem de cima enquanto a bruma preenche a pequena cava. Aos poucos os olhos vão se acostumando a escuridão e eles percebem que na verdade o lugar não é um poço. Existe uma gruta dando acesso à um estreito corredor mergulhado na escuridão. Tudo está preenchido por uma bruma e tem cheiro de enxofre.

O corredor é estreito e só passa uma pessoa de cada vez. Com a mão levantada eles podem sentir o teto de areia que esfarela. Pingos de água caem em seus rostos, não se vê um palmo à frente. Depois de andar algum tempo eles sentem que o chão parece estar mais firme como se existisse pedra calçando o caminho. Então o pequeno grupo sai em um salão. Tudo está escuro. As suas vozes ecoam ali dentro. As paredes parecem ser feitas de rocha. O cheiro de enxofre está mais forte.

Bernard tateia pelas paredes tentando achar alguma porta. Até que sente um desnível. Uma pilha de pedras que bloqueavam a passagem desaba com o seu toque.

Uma tênue luz surge no final da próxima passagem e surge mais um corredor estreito à frente. Mesmo com a pouca luz eles chegam num salão circular em forma de abóbada, todo construído com blocos de granito cinza e com milhares de inscrições mágicas esculpidas. No teto, de três metros de altura, está pintado um céu estrelado e uma roda de prata, com oito raios saindo do centro, feita do mesmo metal. Eles refletem uma cor incandescente vinda do chão de pedra onde existe uma espiral celta esculpida do diâmetro do salão. Muitos pontos dos revestimentos das paredes já caíram com as raízes do carvalho acima invadindo o salão. No centro da espiral a fonte de toda aquela bruma e cheiro. Um pequeno poço de lava fumegante irradiando um intenso calor. Ao lado um caldeirão de prata com o deus e a deusa gravados.

Eles estão com os olhos lacrimejando e o cheiro forte os deixa tontos. Eles sentem-se enjoados. Parecem entorpecidos e deliraram com aquela fumaça tóxica. Ellen parece escutar uma voz em sua mente: “Venha Ellen! Chegou a hora dele ser revelado ao mundo mais uma vez. Você tem a essência dos Teithwyr. Aqueles que viajam por entre os portões que unem os mundos. Assim falou Gwydon.”

Então eles escutam a voz de Sir Amig vindo do alto do buraco onde eles caíram.

Sir Amig: “Crianças? Cadê vocês? Está tudo bem aí?”

Robert: "Estamos aqui!"

Eles retornam e então o Mestre de Caça Eudaf amarra uma corda na cintura e os ajudam a subir. Quando eles chegam lá em cima, o Druida Mylor, o Mestre Einion e Sir Amig os esperam.

Ellen entrega o caldeirão para Sir Amig.

Sir Amig: “Ã, obrigado Ellen mas esse não é o meu caldeirão. Ele já foi achado, estava jogado na beira do rio, no bosque de caça. ”

Druida Mylor: “Deixe me ver, Senhor! Pela Deusa! Esse é uma vasilha de prata para oferecer a água sagrada aos deuses. Mas é mais antiga que Tishea. Deveria estar perdida há séculos. Mas não é o Caldeirão. Somente os Druidas e as Sacerdotisas de Avalon sabem como ele é.”

Sir Amig: “Vamos todos lá embaixo! Nos guiem.”

Então, mais uma vez, todos descem. Eles passam pelos salões agora bem iluminados por uma tocha do mestre de caça. Aí entram na sala.

O jovem Druida começa a tremer, bem como todos os adultos e todos caem de joelhos.

Druida Mylor: “A profecia dizia que só uma pessoa pura e virgem poderia achá-lo. Nunca pensei que seria uma criança. Era você Ellen. Contemplem o tesouro da Britânia, o décimo terceiro. Aquele que Bei presenteou sua amada para salvar a ilha e para rejuvenescê-la. O Caldeirão de Clyddno Eddyn.”

Então o menino saxão é libertado mas Balin vai embora de Tishea. Os dias no verão vão passando. O local do Caldeirão foi mantido em sigilo por segurança. A rotina dos garotos é sempre a mesma. Limpar as tapeçarias, cortar lenha, ajudar na cozinha e servir os senhores do castelo. Depois brincam um pouco, tem aulas de dança, cuidam dos cavalos e aprendem meditação com o Druida. Até que em um dia, pela manhã, o mestre Einion entra na baia enquanto eles escovam os cavalos.

Mestre Einion: “Sigam-me jovens! Chegou a hora de treinar combate.”

Eles seguem o Mestre que caminha apoiado em seu bastão e entram no pátio principal. O som de espadas de metal e madeira se chocando contra o escudo pode ser ouvido ali. Na área de chão de areia estão dez pagens e uns quatro escudeiros se exercitando, simulando combates um contra o outro usando proteções de metal na cabeça e peitorais acolchoados. Accolon, Denzel, Bigorna e Vaughan estão ali. Eles se olham e riem maliciosamente quando os vêem. Bernard vai até eles e fala baixinho.

Bernard: "Eu sei o que vocês fizeram para Balin. Estou de olho em vocês."

Mestre Einion: “Vão se vestir! E não demorem! Dê as espadas de madeira à eles Armeiro!”

Os outros garotos nem lhes dão atenção mas os três riem quando escutam isso. Eles vão até um canto onde um armeiro os ajuda a colocar a proteções, o elmo pontudo e lhes dão as espadas de madeira. Então Mestre Einion coloca todos em fileiras com quatro pajens e ensina os vários tipos de guarda. Depois as formas de ataque e alguns bloqueios simples.

Ele vai passando pelas fileiras e com o bastão vai corrigindo o posicionamento de cada uma das crianças. “Brian erga mais esse braço.” “Ellen coloque o pé esquerdo na frente quando a guarda estiver levantada na direita” “Robert mantenha-se essa espada acima da linha da cintura na guarda frontal.” “Bernard flexione esse joelho e vire o corpo um pouco, quer expor todo o seu flanco à lâmina inimiga?”

Depois de duas horas treinando no sol o Mestre pede para todos fazerem um círculo. Nesse momento chega Mestre Rupert, Aia Lora e Adrien para assistir o treinamento. Eles parecem preocupados.

Mestre Einion: “Quero ver como se saem em combates individuais. Robert será o primeiro. Bigorna! O Conde é todo seu.”

Então um menino de uns quinze anos. Alto, forte e gordo aparece. Ele vem girando sua espada de duas mãos de madeira e rindo. Tem cabelos longos cortado em forma de tigela.

Accolon: “O Bigorna vai palitar os dentes com o manco.”

Robert meio assustado com a espada bastarda de madeira treme um pouco. Bigorna cruza as pernas em passadas precisas tentando fazer o menino se mexer. Quando ele dá o primeiro passo e manca um pouco Bigorna sorri maliciosamente. Dá um golpe à frente e acerta bem no joelho da perna sequelada. Robert fraqueja e se ajoelha. Ele fica vermelho de dor. Bigorna se aproxima para dar o golpe final. Robert geme de dor mas consegue com o cabo da espada acertar bem no meio da perna do rapaz. Mas a perna de Robert não lhe permite se equilibrar direito e Accolon o desarma girando a lâmina de madeira e depois o empurra com o pé no peito o levando a cair de costas. Bigorna vermelho encosta a ponta de madeira da espada no pescoço de Robert.

Mestre Einion: “Muito bem já chega. Brian agora é a sua vez. Denzel apresente-se.”

O rapaz loiro alonga seus músculos. Estrala seus ossos da nuca e dá dois golpes no ar com a longa espada.

Denzel: “Venha sardento! Vou te mostrar quem é o melhor escudeiro de Tilshea!”

Brian tenta se esquivar de seu adversário. Ele golpeia duas vezes o menino que escapa dos dois golpes. Então Brian leva um golpe na testa, sente o mundo girar e cai sentado de bunda na areia enquanto os outro garotos riem. Ele sente um filete de sangue escorrendo de sua testa.

Mestre Einion: “Voltem a formação. Se recomponha Brian. Ellen quero ver o que aprendeu! Esqueça que é uma menina porque Accolon não dará importância a isso. Lutem!”

O Ruivo Accolon sorri faltando os dois dentes da frente. Ele cospe no chão.

Accolon: “Menininha! Te garanto que vai preferir brincar de bonecas depois de hoje.”

Ellen: "Eu não brinco de bonecas!"

Accolon finge se movimentar para a direita e instintivamente a pequena menina o acompanha mas Accolon é mais rápido e então com o pé na panturrilha da garota faz ela se ajoelhar e depois com a espada na vertical empurra sua cabeça. Ellen sente seu rosto bater na areia e o gosto na boca, cheia de terra, e os olhos se encherem de lágrimas.

Mestre Einion: “Levante-se menina se recomponha e volte para a formação. Enxugue suas lágrimas. O inimigo não ajudará a secá-las. Vaughan este é Bernard. Ele é um bastardo. Já sabe o que tem que fazer!”

Vaughan sorri ironicamente: “Então garoto sem mãe! O que é mais rápido? Os olhos ou a espada?”

Então o garoto loiro e magro gira muito rápido tentando alcançar as costas de Bernard. O filho de Sir Enrick consegue acompanhar o movimento e em um golpe em arco com a espada. Vaughan se desequilibra quando tem a perna puxada. E Bernard o derruba no chão. Bernard vai até os amigos de Vaughan apontando a espada para cada um deles os provocando. Aí Vaughan se aproveita e atira um punhado de areia no rosto de Bernard que fica cego por alguns segundos. Vaughan muito ágil e rápido, mais uma vez, gira para um lado e aparece atrás de Bernard. Usando o pomo da espada ele lhe acerta a clavícula do menino. Bernard, com dor, instintivamente coloca a mão em seu ombro, derrubando a espada. Então ele é forçado a ajoelhar de costas e Vaughan lhe aplica uma gravata com a espada.

Mestre Einion: “Muito bem! Já vimos do que são capazes! Todos em formação novamente. Quero que saibam de que o treinamento com armas não é realizado apenas aqui na arena. Queria que aprendessem, garotos, que a derrota esta ligada principalmente a falta de conhecimento do que já são capazes de fazer. Vocês treinaram combate esse mês inteiro, todos os dias, mas não sabiam. Vamos ver como se saem em combate em grupo. Bigorna, Accolon, Vaughan, Denzel, ataquem!”

Os quatro garotos cheios de vontade de lutar correm na direção de Ellen, Brian, Bernard e Robert. Eles se aproximam lentamente em linha com as espadas em guarda média. Então Adrien grita.

Adrien: “Atencion enfant! Posicion numero 1! Mantenham-se assim.”

Os meninos lembram das aulas de dança. A primeira posição, para a surpresa deles, era um movimento de guarda. Depois o Druida grita.

Druida Mylor: “Esvaziem a sua mente! Deixem que Morrigan se manifeste dentro de vocês! Respirem e sintam a presença dela.”

Os escudeiros agora caminham lentamente e sérios, sabendo que agora o combate será diferente. Quando eles estão ao alcance dos pequenos aprendizes Mestre Einion grita.

Mestre Einion: “Ataquem!”.

Aí, num mesmo movimento, eles giram por trás das costas de Ellen, Robert, Brian e Bernard e descem a espada de madeira em direção a cabeça deles. Mestre Intendente Rupert grita.

Mestre Intendente Ruperte: “Atenção garotos! Carregar barril!”

Então, de tanto repetir o movimento, eles erguem as espadas instintivamente e sentem o impacto bloqueando as espadas inimigas. Robert olha para eles fascinado.

Aia Lora: “Limpar tapeçaria!”

O golpe vem de cima para baixo e os quatro garotos inimigos são golpeados e tonteiam. Adrien sorri e continua dando ordens.

Adrien: “Todos juntos, posicion numero 2 novamente. Preparem-se para dançar garotos!”

Então os quatro pequenos heróis dão um passo atrás, pegam no braço de seu adversário e o giram. Accolon, Danzel, Bigorna e Vaughan, sem entenderem nada, fazem uma rotação e Robert, Bernard, Ellen e Brian os desequilibram, soltando-os, enquanto giram e param atrás de seus adversários.

Mestre Intendente Rupert grita: “Cortar a lenha na esquerda!”

Cada adversário tenta se virar mas é primeiro golpeado na costela esquerda. Eles caem quase que ao mesmo tempo em cima do joelho desse lado.

Mestre Intendente Ruperte grita: “Cortar a lenha na direita!”

Ellen, Bernard, Robert e Brian golpeiam firmes. Então os quatro garotos, que enfrentavam, rolam pela terra gemendo de dor nas costelas.

O mestre de armas Einion sorri enquanto passa por eles: “Já chega! Já chega! Muito bem garotos! Muito bem! Guerra é uma coisa séria, por isso o rigor dos treinamentos! Cada vez que perco um de vocês depois que são escudeiros ou cavaleiros é como se perdesse um filho. Por isso temos que ser duros como o martelo, mas flexível como o aço e por isso contei com a ajuda da Aia, de nosso Druida e desse bom mestres nesse árduo trabalho. Assim nossos inimigos não descobrirão como treinamos nossos guerreiros.”

Então o veterano Mestre de Armas retira com a sua mão enluvada de couro uma bolsa cheia de moedas e lança para Adrien.

Adrien: “Satisfeito Mestre Einion? O pedido especial de Lady Marion para que ensinasse a luta dos druidas franceses foi satisfeito. A dança sagrada da Dama do Lago lhes foi bastante útil crianças!”

Mestre de armas Einion: “Ainda tem muito o que aprender meninos, mas foi um bom começo!”

Os garotos percebem Sir Amig os observando no segundo andar com um rosto orgulhoso. Logo ele se retira da janela em formato de ogiva e sai pela porta do pátio principal. Todos se ajoelham.

Sir Amig: “Lutaram bem crianças! Chegou a hora de serem recompensados. Ajoelhem-se e repitam! Em nome da ordem da Cavalaria da Britânia juro perante aos meus mestres e mentores que sempre estarei do lado do bem e da justiça. Compreendo que servir e realizar tarefas simples não me torna indigno e sim humilde e mais próximo dos Deuses. Acautelo-me contra o orgulho, a inveja, contra a cólera e a injustiça. Servirei o Senhor de Armas que me acolher com Lealdade, Coragem e Honra. Honrarei seu nome e sua casa. Carregarei o seu brasão como se fosse meu. Em nome de Avalon e dos Deuses antigos! Que assim seja!”

Então o Mestre de armas Einion se aproxima de Sir Amig com a mão com cinco broches. Aia Lora trás capas com as cores de cada casa.

Sir Amig: “Estes broxes pertenceram aos pais de vocês quando foram investidos pagens. Ellen e Bernard como seus pais não foram escudeiros, então Bernard usará o meu bode e Ellen o de Dylan. Robert aqui está o brasão de Sarum que pertencia ao seu pai e Brian a cruz do martelo de Algar. Levantem-se.”

Então Adrien, o Druida Mylor, Aia Lora, o Mestre de Caça Eudaf, Mestre Intendente Rupert e o Mestre de Armas Einion os abraçam.

Nesse momento a trombeta do sentinela do castelo soa e o portão gradeado sobe. Um Cavaleiro com o brasão de Saint Albans, azul com um xis amarelo, entra no pátio principal. É Sir Lycus usando sua cota de malha e por cima uma túnica azul.

Sir Lycus: “Boa tarde Sir Amig! Vim o mais rápido que pude. Os saxões estão reunindo um grande exército ao sul de Sarum e o ataque será eminente. Dylan e a Baronesa Adwen sumiram e estão perdidos nas brumas. Só resta a nós defendermos a cidade Milord. Tenho duzentos homens. Meus batedores enxergaram pelo menos oitocentos homens acampados próximos a Hantonne. Há rumores que uma força vinda de Sussex do Rei Ælle também se move para o coração de Logres. Sem os principais homens do Reino os lobos saíram das tocas.”

Sir Amig: “Prepare o meu cavalo Cavalariço Ronei. Mestre Eudaf mande meus escudeiros prepararem minhas armas e armadura. Os seis lanceiros deverão ficar em Tishea para proteger as crianças e o Caldeirão de Clyddno Eddyn... Dessa vez partirei sozinho.”

Então Sir Amig vai até cada criança e beija cada um na testa.

Sir Amig: “O Vô partirá! Tenho um trabalho a fazer e não vai ser dos mais fáceis. Se não voltarem lembrem-se que são pagens e que agora fazem parte da história como os seus antepassados fizeram. Cabem à vocês no futuro defenderem Logres e fazerem com que os antigos deuses continuem vivos. Amo todos vocês!”

Então eles vêem Sir Amig vestir o peitoral da sua armadura com o bode gravado em ouro. Depois veste o seu elmo com os chifres enrolados. Ele sobe em seu cavalo de batalha negro. O veterano empina o seu corcel de guerra e cruza o portão. Sir Amig para por um instante, retira o seu elmo e os observa. Então de seu olho cai uma lágrima molhando o chão de areia branca de Tishea. Ele ergue lentamente a mão enluvada. Depois coloca o elmo mais uma vez e parte arrancando terra marchando para a guerra mais uma vez. E o último herói da velha geração some no horizonte de Tishea.


FIM

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