segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Aventura 32: Avalon e Londres Sitiada: Ano 505-506




Primeira parte: Os adolescentes

O ano é 505. A primavera chega levando o frio e o gelo. As colinas que permeiam as grandes pedras que formam Atalaia estão verdes novamente. As rosas coloridas desabrocham por todos os lados. Em todas as ilhas que formam Avalon as atividades se intensificam. As sacerdotisas voltam aos campos colhendo ervas e preparando as oferendas aos deuses. O povo escuro do pântano retorna com as suas pequenas barcas a pescar ao redor das ilhas do lago sagrado mergulhado nas brumas. Há uma semana a menina Nimue, com 9 primaveras, resgatada há alguns anos por Sir Enrick do feudo infectado pela praga do falecido Sir Edgar, chegou à Avalon trazida de Dinton a pedido de Nínive. As sacerdotisas dizem que a Senhora de Avalon teve uma visão no poço sagrado e que ela ficou muito abalada. A menina, depois disso, chegou acompanhada de seu animal de estimação: O Leão Grievous, já coxeando e ficando velhinho. 

ILHA DA BRIGA:

O Conde Robert com 15 anos, o Barão Brian com 15, Bernard com 17 e sua irmã Ellen com 13 estão na ilha da briga. Uma das sete que compõe Avalon. É um dia ensolarado mas o charco que compõe o solo está enlameado após o degelo. O lugar se resume a barrancos, árvores do pântano retorcidas e um grande descampado.

Todos estão ansiosos e assustados. Uma fila com 10 garotos estão recostados em um barranco. Eles olham apreensivos com as espadas e escudos em suas mãos. Todos estão sujos e enlameados. O lugar fica próximo a margem do lago sagrado. Robert faz um sinal mostrando os olhos para um homem mais velho que está junto com eles. É Cymbel, que olha para os garotos fazendo sinal de silêncio. O Cavaleiro das Lágrimas, com trinta verões, mestre sagrado de armas de Avalon, com seus cabelos loiros longos até a cintura, usando uma armadura que basicamente cobre o homem de ferro, forjada por Caledfwlch, o sem idade, espia por cima do barranco. Ele faz um sinal para esperarem. Ele aponta para Robert sinalizando que existe 5 inimigos do outro lado da vala. Então o Conde começa uma contagem silenciosa. A respiração de todos aumenta com a tensão: 1, 2 , 3.

Robert: “Atacaaar!” 

Ele salta o barranco. Todos o seguem gritando a pleno pulmões. Um acampamento com várias tendas de couro de gado existe à frente. Cinco homens de cabelos longos se levantam assustados sacando seus machados e espadas. Eles são barbudos e usam escudos rústicos de madeira e armaduras de couro fervido. Ao mesmo tempo, sem os garotos perceberem, cinco barcos atingem à margem e 30 guerreiros inimigos, iguais aos que vigiavam, desembarcam. Eles lançam uma saraivada de lanças.

Robert: “Merda... É uma armadilha!!!”

Uma das lanças atinge primeiro Brian que se estatela no chão desmaiado. Ellen dá uma cambalhota no ar e a arma passa por baixo do seu corpo. Bernard recebe o impacto em seu ombro o desequilibrando. O sargento, um homem alto e forte, com barba até metade do corpo e com cabelos cinzentos que desembarcou com os outros homens grita: “Paredes de escudos! Não tenham piedade!” 

Os garotos atacados no flanco de sua formação escutam o som dos escudos de tília dos guerreiros soando como um estrondo. Eles avançam até eles e a parede de escudos vai os cercando.  Rapidamente Bernard é derrubado por três guerreiros e Ellen agarrada por outros dois. Então um homem, usando uma armadura parecida com a de Cynbel surge por entre os lanceiros. Eles o reconhecem: Sargento Winters. Com cabelos negros longos e a barba crespa da mesma cor, já com fios grisalhos, o homem com quase dois metros de altura e uns quarenta verões sacode a cabeça irritado.

Winters: “Já chega! Já chega! Parar o treino! Vocês estão mortos, Cynbel!”

Cynbel: “Droga garotos! É a terceira vez nessa semana!”

Winters: “Robert, você liderou esses garotos pelos charcos, mas fez tanto barulho com essa sua perna manca que dava para escutar em Glastonbury. Meus batedores estavam escondidos na lama e correram me avisar fazem três horas.”

Robert, mancando, vai para longe do grupo e senta no barranco de onde vieram olhando para o lago com os olhos marejados enquanto a maioria dos outros garotos ficam ali tomando seus alforges de água. Seus amigos vão até lá.

Robert: “Que droga, eu não sei mais o que fazer! Essa minha perna. Antes sua mãe tivesse me deixado morrer pela Mão Negra.”

Ellen: “Não fale assim. Você vai conseguir!”

Bernard: “Nós vamos te ajudar.”

Brian: “Estamos juntos.”

Então Cynbel se aproxima enquanto todo se preparam para regressar aos alojamentos do outro lado da ilha. Ele bate no ombro do garoto.

Cynbel: “Robert, o ofício que estão aprendendo não é fácil rapaz! Deve existir um jeito   de você fazê-lo e vamos achá-lo. Há um mês, nem perto do acampamento conseguiam chegar.  Erga a cabeça e vamos andando, já está ficando tarde.”

VILA DOS ELEITOS: 

Ao anoitecer o grupo de escudeiros chega à vila onde eles tem vivido nos últimos 5 anos. São dez chalés dispostos em círculo, com telhados de palha trançada e paredes de pedra, à beira do Lago Sagrado. No centro da vila existem vários troncos. À distância, no descampado, estão os quintains para o treinamento com os cavalos. As estrebarias estão atrás das casas. Vivem ali vinte garotos: filhos de nobres e de aldeões. Os escolhidos por Nínive. Os novos filhos de Avalon que a cada dia vaga mais longe nas brumas. Ali é tudo muito simples. Eles comem o que pescam e caçam, colhem frutas e mel. Todos tem seus deveres. Além de combate precisam estudar línguas, folklore, história, religião, filosofia, composição de poemas e música. Apesar de que alguns como Bernard não possuam o talento para a leitura (fumble em Read! Será analfabeto para sempre! Ehehehe, desculpa aí John)

Aqueles que tem o dom mais forte para o caminho da Deusa, passam algumas luas em Atalaia desenvolvendo seus talentos místicos. Mestre Cynbel mora no chalé maior e foi designado pela Senhora de Avalon para os ensinar a arte da guerra. Logo que chegam todos se lavam às margens do lago. Depois são designados para ir a armoria, próximo a estrebaria, onde são guardados as espadas e escudos. Hoje é o dia deles limparem, passarem óleo nas lâminas, retocar os escudos e remendar as cotas de malha. Enquanto isso o cheiro de comida enche a vila que se prepara para o jantar. Entra ali Nimue e o Leão Grievous que vem pedir carinho. 

Nimue: “E então! Como foram lá?” 

Bernard: “Winters palitou os dentes com a gente.”

Nimue: “De novo? Eu queria lutar mas a Senhora de Avalon disse que não nasci pra isso.” 

Então Cynbel entra no galpão acompanhado de um garoto. O menino tem a pele escura, a mais escura que eles já tinham visto. Os seus dentes bem brancos, contrastam com a sua cor. Tem as sobrancelhas grossas. Ele é alto para a sua idade e forte. Tem cabelos curtos e negros com cachos miúdos.

Bernard: “Ele está doente?”

Cynbel: “Deixe de besteira Bernard. Rapazes! Esse é Sagremor. Teve uma viagem longa de meses no mar para chegar aqui. Já tem algum treinamento e foi designado para que vocês o ajudem. Uma pessoa que andou por terras além mar e convenceu seu tio para que o garoto viesse a Britânia o enviou: O grão mestre Druida Merlim. Ele conseguiu que Adriano, imperador de Constantinopla, mandasse o seu sobrinho para Avalon. Retornarei para lhes chamar para jantar, até depois. Ah, o garoto só fala Grego.” 

Então eles começam a limpar as armas, remendar as cotas e escudos. Ellen desajeitada fazia tudo certo, mas sempre com a cabeça no mundo da lua, esbarrou duas vezes nas espadas empilhadas e teve que refazer tudo. Sagremor, com pena da menina, tenta a ajudar enquanto Brian e Bernard disputavam para ver quem era melhor escudeiro. No final quando Cynbel os chamou para jantar Bernard tinha acabado a tarefa antes.

Cynbel: “Belo trabalho rapazes! Bernard, você trabalhou muito bem. Todo trabalho foi feito com perfeição. Agora venham jantar.”

JANTAR:

Lá fora uma panela de ferro pendurada num tripé é circulado pelos vinte garotos. Hoje três meninos escolhidos servem todos gizado de lebre com cenouras em pratos de madeira. Todos se sentam em troncos dispostos ao redor da panela. Cynbel está nas estrebarias inspecionando os cavalos de treino. Sagremor se senta longe do grupo em um dos troncos. Alguns dos garotos riem quando  ele levanta para se servir. Ao passar por um deles, um dos garotos, deixa o pé para ele cair. É Bigorna que ri enquanto os seus amigos lhe batem nas costas. Robert fica louco da vida e se levanta jogando o seu prato no chão e atravessa mancando a relva e já chega dando socos e chutes. Accolon, Bigorna, Turl, Denzel, Vaughan caem na porrada com ele. Então Bernard, Ellen e Brian entram na luta. 

Os outros garotos gritam: “Porrada, porrada, porrada!” Sagremor sem saber muito o que fazer é puxado por Nimue que lhe dá a mão e sorri pra ele. 

Nimue: “Fique aqui Sagremor, é melhor que não se meta em encrenca tão cedo.” 

O Leão Grievous fica olhando com as orelhas em pé e abanando o rabo. 

Nimue: “Não! Fique parado”

Bernard dá uma cabeçada no Bigorna derrubando o garoto gordo e ruivo no chão. Ellen leva um empurrão de Vaughan lhe atirando longe. Brian dá um soco em um garoto enquanto outro lhe acerta nas costas. Escutando a barulheira Cynbel volta da estrebaria para ver o que estava acontecendo.

Cynbel: “Parem todos! Já chega! Estamos do mesmo lado! O que está acontecendo aqui?” 

Denzel: “Foi uma brincadeira de boas vindas.”

Cynbel: “Estou cansado dessas brigas!”

Vaughan: “Estou cansado de seguir esse manco aí!”

Robert olha para o chão. 

Cynbel: “Calados todos! Não entenderam o que é ser um Cavaleiro, ou uma sacerdotisa de Avalon. Qual o lema da Ordem de seu pai Brian?”

Brian: “Éeeee...! Lealdade, for...”

Cynbel: “Já vi que não lembra!”

Brian: “Foi a batata Senhor!”

Cynbel: “Toda vez que olho pra você está comendo! Saiu da briga e já pegou as sobras de alguém pra comer! E você Bernard? O mais velho de todos! Que vergonha! Está certo... Dormirão todos na estrebaria, trabalharão juntos e treinarão juntos. E se for preciso mandarei o escudeiro embora de Avalon. Se brigarem novamente farei isso com todos vocês. Serão desonrados e perderão o pouco que conseguiram. Se recolherão cedo hoje. Agora saiam da minha frente.” 

Ninguém fala nada. Nimue sorri enquanto segura a mão de Sagremor que timidamente acena com a cabeça agradecendo.

ESTREBARIAS: 

Os cinco garotos vão para o fundo da estrebaria. Junto um monte de palha e deitam ali.  Lá do fundo Bigorna fala.

Bigorna: “Nos ferramos por causa de vocês. Vocês tinham que se meter né?”

Brian: “Ah, cala a boca!”

Então um punhado de estrume de cavalo voa em direção à eles. Bernard, Robert, Brian e Sagremor vão até lá. 

Bernard: “Chega disso! Nós vamos ser mandados embora!”

Vaughan: “Vamos! Mas Robert, continuo dizendo que você não nasceu pra isso.”

Robert só fica quieto olhando para o outro lado contrariado. Todos ficam em silêncio constrangidos e fica cada grupo em seu canto. Logo o sono vem e todos dormem. Pela manhã, como de costume, um chifre de guerra os desperta. Cynbel e mais alguns garotos trazem as armaduras de couro e elmos de todos os vinte noviços. Eles fazem um monte com os equipamentos.

Cynbel: “Quero todos os cavalos prontos em uma hora. Do contrário ficarão sem treinar combate montado. Vistam as suas armaduras de couro, seus elmos e seu balde Bernard. Voltarei em breve. ”

Ellen: “Quantos anos vocês tem irmão? Esse balde com crina imitando o do pai está meio ridículo, não acha?”

Bernard: “Não enche o saco!” 

Os garotos preparam tudo apesar de Bernard ter deixado um dos animais disparar com medo do leão de Nimue. Mas, após uma hora, os outros garotos entram na estrebaria e cada um vai até o seu cavalo de treino. Todos montam e aguardam dentro de suas baias, enquanto Cynbel sobe em seu corcel branco de guerra. Todos colocam os seus elmos gradeados e os afivelam. 

Cynbel: “Atenção Cavalaria! Trotar.”

Então coordenadamente começando pela direita cada cavalo segue em coluna atrás do Mestre de armas. Robert é o primeiro, a segunda é Ellen, depois Brian e Bernard e o restante do grupo. Os Cavalos montados por seus Cavaleiros saem da estrebaria e se dirigem para a área dos quintains. Chegando lá se mantém a coluna que passa pegando as lanças deixadas nos suportes enfileiradas. Ellen pega uma das lanças de arremesso feitas para o seu tamanho. Enquanto os outros usam lanças cônicas de cavalaria para proteger as mãos dos Cavaleiros. Uma novidade, criada pelo comandante Cynbel para treinamento do novo modo de lutar dos celtas, .

TREINAMENTO CAVALARIA: 

Cynbel: “Atenção noviços! A Cavalaria sempre foi o nosso trunfo em batalha. Aqueles que se tornarão Cavaleiros devem entender que Cavalos em carga e com nossos guerreiros empunhando lanças, transforma a infantaria inimiga em alvos fáceis. Sempre, quando lutarem montados, busquem espaço para efetuar uma carga. A vantagem sempre será do Cavaleiros. Agora quero que façam um ataque direto aos quintains. Quero três passagens. Depois treinaremos cargas.”  

O Conde Robert deu tudo que podia no treinamento. Teve ótimos acertos, mas o seu rosto de dor a cada golpe de lança no quintain deixa os seus amigos preocupados. O treino segue com alguns dos noviços se saindo melhores do que os outros. Mas em média todos apresentaram bom desempenho. O melhor foi o garoto de Constantinopla Sagremor que acertou os três golpes. 

Cynbel: “Muito bem! Cavalos e Cavaleiros aquecidos! Quero vocês e os outros escudeiros arruaceiros de um lado, e os demais do outro.”

Denzel: “Ah não, de novo não!”

Bernard: “Quieto Denzel! Se não enfio a mão na sua cara mais uma vez.”

Cynbel:  “Já chega! Marchem para o campo! Robert no centro comandando a cavalaria.”

A cavalaria do Conde Robert chega no descampando do lado de trás da vila. A outra linha de escudeiros montados se preparam do lado oposto há uns trezentos metros. Cynbel se posiciona para observar, do lado de fora das linhas, o centro do campo de treino. Bernard percebe que Sagremor olha para a perna machucada de Robert desata seu peitoral e encaixa nas costas do Conde. Robert agradece e ata os cintos de couro pela frente, criando um encosto para ele.

Robert: “Atenção escudeiros. Preparem-se para o combate. Apresentar lanças!”

Bigorna olha para os seus amigos com cara de irônico. 

Robert: “Todos juntos comigo. Em linha, avançar!”

Os cavalos vão trotando enquanto a velocidade começa a aumentar gradativamente. Quando Robert espora o cavalo todos compensam mantendo a formação em linha. Eles vêm a linha do outro lado se aproximando rapidamente. Tudo estremece enquanto uma tempestade de lanças vem diretamente na direção um do outro. A única coisa que eles vêem é o peitoral do inimigo com o seu escudo chegando a toda velocidade e aí uma mancha passar e o impacto forte. 

Brian acertou o garoto o arrancando da sela. Ele olha para trás satisfeito. Bernard faz o mesmo. Ellen, nervosa e assustada derruba sua lança. O cavalo se assusta e sai da formação correndo para fora do campo em disparada. O leão Grevious, vendo o animal em fuga, começa a correr atrás da montaria da menina. Nimue chama o seu animal de estimação que os deixa em paz, mas o cavalo, carregando Ellen, volta para a vila dos escolhidos. Sagremor atinge, um rapaz mais novo que ele, bem no ombro, ao mesmo tempo seu adversário o acerta no peito. O Bizantino sem armadura solta um berro e cai da sela. Robert golpeia com força um jovem escudeiro, Kay, que é atirado de sua sela deixando o rapaz pendurado, que é forçado, para não se ferir, a cortar com a sua adaga curva o estribo e se estatelar no chão.

Robert comemora, mas quando vê Sagremor caído no chão ele desmonta e corre mancando até o Bizantino. 

Robert: “Ajudem! Ajudem! Ele insistiu que usa-se o seu peitoral nas costas. Isso me deu equilíbrio para aguentar o impacto da lança. Minha perna nem sentiu a pancada.”

Então o Bizantino sorri com o seus dente brancos e se senta tirando o seu elmo e bate na perna manca de Robert. Ele faz um gesto mostrando força. O seu peito tem um hematoma feio. Eles se assustam com os olhos esbugalhados e a tremedeira de Sagremor. Cynbel cavalga até ali, desce de sua montaria e corre até o Bizantino o examinando.

Cynbel: “Calma rapaz, ele vai sobreviver. Isso é frenesi de batalha, não se preocupem. Trabalhou muito bem Conde Robert. Belo ataque. Pena que os outros garotos, fora os seus amigos, fizeram corpo mole. Para isso tenho uma bela solução. Mas agora é hora do almoço! Atenção Cavalaria, Retornar a Vila!”

Depois de almoçarem porco assado com maçãs, enquanto cada um comentava como lutou e alguns demonstram os seus erros e acertos do treino da manhã, eram distribuídas as espadas de treino. Cynbel os leva em fila até o descampado.

TREINAMENTO LUTA CORPO A CORPO:

Cynbel: “Escudeiros e pajens! Kay, você liderará 11 garotos que escolher. Sagremor, Bernard, Ellen, Brian, Robert, Turl, Bigorna, Accolon, Vaughan e Denzel, formarão o outro grupo. A turma do Conde Robert lutará amarrado um no outro. Aprenderão a trabalhar juntos... Nem que seja a última coisa que eu faça. ”

O Mestre de Armas amarra os braços e pernas um no outro.

Cynbel: “Atenção escudeiros! Lutem!”

Os garotos se aproximam lentamente. Com os escudos levantados e as armas em guarda. Eles vem em linha e golpeiam. Brian toma um golpe forte na cabeça e desmaia, derrubando metade da linha amarrada à ele. Ellen consegue acertar o menino à sua frente. Sagremor arrasta Brian enquanto o garoto se levanta tentando ficar consciente. Bernard golpeia forte o menino na sua frente quebrando o nariz do garoto que sai da luta chorando.  

Robert: “Calma! Esperem o meu comando. Não golpeiem a esmo. Parede de escudos!Estocar! Passo á frente. ”

A liderança de Robert é forte e estratégica. Nesse momento eles ouvem um uivo e um rosnado. Quando olham para o lado vêem Sagremor tremendo, com os olhos em fúria e gritando, golpeando com a sua espada quebrando o elmo do garoto que está à sua frente colocando-o para dormir fazendo voar dentes e sangue. 

Desorganizados os garotos adversários vão sendo retirados pelo mestre. 

Cynbel: “Eyros você morreu saia do campo de treino e aguarde!” 

A linha do Conde Robert permanece intacta enquanto os garotos, sem disciplina e um bom comando, ficam reduzidos à três garotos. Sagremor tremendo e em frenesi vomita, limpa a boca  e rompe a corda, correndo para ajudar o garoto que ele atingiu.

Cynbel: “Já chega! Já chega meninos! Calma! Lutou muito bem Kay, mas faltou disciplina para os seus guerreiros. Robert, melhorou bastante... Muita vontade de vencer garoto!” 

Brian percebe que Robert não parece bem. Nesse momento o pequeno Conde sorri e ao mesmo tempo fica muito branco. Então, ele desmaia.

Cynbel: “Tragam água rápido.”

Eles vêem a perna de Robert em espasmos. 

Cynbel: “Se a luta durasse um pouco mais ele tinha sucumbido. É uma pena...”

Então Robert abre os olhos lentamente. 

Robert: “Ganhamos? Consegui?”

Bernard: “Ganhamos amigo! Ganhamos!”

Então ele se senta e Bigorna dá a mão para ajudar o Conde a se levantar. Turl, Vaughan, Accolon e Denzel sorriem. 

Vaughan: “Lutaram muito bem, nossa! Que tal uma trégua?”

Brian: “Fechado! Chega de brigas!”

Então eles se cumprimentam. O restante do dia passa com Robert de cama, exausto e com a perna impossível de encostar no chão. Os garotos estão ajudando a preparar a janta quando Ellen e seu irmão Bernard vão pegar água no poço e escutam a voz de Cynbel e Winters conversando no alojamento dos comandantes.

Winters: “Não adianta Cynbel. É a verdade nua e crua. Todos sabem que em uma situação real Robert não aguentaria muito. O coitado do rapaz vai ter que se habituar a ser um Lorde de Castelo e cuidar das terras do pai. E só!”

Cynbel: “Ninguém lutaria por um Senhor que só fica em seu castelo. Ele seria derrubado do trono de Salisbury facilmente. E seria o fim de sua dinastia.”

Bernard não resiste e surge na porta com o rosto em choque.

Bernard: “Nós faremos de tudo para conseguir. Vocês não podem deixar acontecer isso. Por favor! Deixe-me ajudá-lo!”

Winters: “Se conforme garoto! Essa é a realidade. E volte para o alojamento e não conte à ninguém! Não temos que dar satisfação aos noviços.” 

Cansados do treino enquanto os garotos dormem na cabana, Bernard fica com aquilo na cabeça. Então ele vai lá fora pega uns sacos de estopa, enche de areia, dá um nó e faz três sacos de peso. Quando retorna ele acorda Robert.

Bernard: “Acorde Robert! Olhe isso aqui que fiz para você. Você tem que usar isso todo dia. Vai melhorar a perna.”

Robert: “Tá! Eu uso, espero que funcione... É tudo que me resta.”

SONHO: 

Naquela noite Ellen deu um daqueles pulos que damos quando dormimos. Então a menina sentiu  o vento gelado no rosto. Seus braços pareciam fazer movimentos rápidos e ela percebeu que não se cansava e não precisava fazer nenhuma força. Finalmente ela teve coragem de abrir os olhos e um frio na barriga lhe atingiu. Ela se viu no alto com a lua iluminando a noite cheia de estrelas e lá embaixo o lago sagrado e as altas rochas de Atalaia em meio a bruma que permeava tudo. Seus sentidos estavam acelerados e ela viu lá de cima na escuridão da noite como se fosse dia claro. Um silvo agudo lhe atingiu os ouvidos e algo lhe chamou a atenção. Então Ellen viu um pequeno animal, uma pequena lebre cinza e seu estômago vazio se contorceu com muita fome. Ela deu um razante e agarrou o animal que tentava fugir e bicou o pescoço da lebre quebrando-o e sentiu o sabor quente do sangue. Em pleno vôo ela engoliu a presa de uma vez e sentiu o gosto de carne fresca, matando a sua fome, enquanto voava iluminada pelos primeiros raios de sol. Uma voz parecia chegar aos seus ouvidos é o Cavaleiro das Lágrimas: “Acordem a Ellen rapazes! Já chamei três vezes. Hora da refeição da manhã.” 

Depois de acordarem a menina eles comem o dejejum, hoje preparado por Sagremor, Bigorna e Turl. Todos acham estranhíssimo uma comida grega que eles prepararam. Sagremor oferece aos seus novos amigos. 

Sagremor: “Avgotaraho!”

Bigorna: “Ovas de peixe em um pastel de mel. Parece nojento mais é muito bom! O Bizantino cozinha melhor que as meninas Bernard.”

Brian: “É gosmento e nojento, mas é muito bom! Quero mais!”

Bernard de boca cheia pensa por um segundo e concorda positivamente com a cabeça.

Sagremor (sotaque): “Obrigado!”

Ellen: “Não como isso nem que me obriguem!”

Cynbel: “Robert, Brian, Bernard. Peguem o barco e levem Ellen e Nimue até Atalaia. Elas tem treino dos caminhos da Deusa com a Senhora de Avalon. Só estão permitidos a caminharem por aí com as espadas de treino. Eu saberei se estiverem com as afiadas, está certo Robert? Cuidado, está bem?”

INIS WITRIN:

Então as crianças caminham meia hora até o pequeno trapiche de madeira. Embarcam no pequeno bote de três bancos e dois remos e começam a navegar pelo lago sagrado.  Marion e Bernard remam enquanto Brian dirige o pequeno barco. As brumas formam um paredão. Eles mergulham nas brumas: um verdadeiro teste de paciência até achar os caminhos corretos entre as ilhas. Depois de um tempo Atalaia surge no horizonte e depois as brumas se fecham. Eles estão acostumados porque as nuvens densas abrem e fecham aleatoriamente. O importante é manter a atenção e não esquecer onde ela tinha surgido. 

Nimue: “Troca Peles, é verdade que você gosta do Robert?” 

Ellen: “Como assim?”

Robert: “Ã.. O que vocês estão falando?”

Nimue: “Você eu tenho certeza que gosta dela.”

Robert: “Fique quieta linguaruda.”

Robert se levanta e vai até a garota e tenta tapar a boca dela. Nimue tenta segurar as suas mãos. 

Nimue: “Sai Robert, sai...” 

O barco balança com a luta dos dois. Robert com pouca força na perna tenta se manter equilibrado mas Nimue empurra ele para longe e o garoto bate com as costas na borda e some dentro das águas negras do lago de Avalon. O barco sacode para todos os lados e Ellen e Bernard também caem na água. Brian salta corajosamente atrás para salvá-los. Então Robert vem a tona e logo some mais uma vez. Todos começam a gritar. Nimue ficam dentro do barco. 

Nimue: “Ajudem! Ajudem!” 

Apesar de se debater desesperado Ellen consegue agarrar o pequeno Conde e nadar até o barco. Nimue olha assustada puxa Robert para dentro do barco. Ele está todo ensopado e assustado. Ela vai até ele e passa mão em seus cabelos e abaixa a cabeça envergonhada. Então o paredão de Brumas se abre e a ilha surge à frente mais uma vez.  Quando Bernard, Brian e Ellen retornam para dentro do bote eles seguem para lá. A ilha vai se aproximando e mais uma vez some nas brumas. Após algum tempo eles sentem o barco encalhar na margem. A bruma cobre tudo e aos poucos vai se dissipando.  

Ao desembarcarem na margem, coberta por grama, eles se deparam com uma grande colina. Um Tor igual ao de Glastonbury, onde fica a Abadia de José de Arimatéia. Mas não existe ali nem o poço sagrado e nem a construção cristã. Existe, lá no topo, em contraste com as brumas e o céu cinza: Uma grande torre quadrada. Olhando ao redor eles percebem que a água do lago sagrado, ao redor dessa ilha, é transparente. Como um espelho cristalino no fundo do lago, ao redor dessa ilha, existem pedras transparentes de eras muito antigas, refletindo as imagens da ilha e de tudo que existe em cima dela com perfeição, como um gigantesco vidro. Eles escutam o canto dos pássaros e do lago.

Robert: “Essa não é Atalaia. Olhem a água.”

Nimue: “Inis Witrin. A ilha de vidro. A ilha de ... Merlim!”

Robert: “Nossa! Era aqui que o velho morava. Eu tenho que ver isso.”

Nimue: “Eu também!!!”

Bernard: “Não! Vamos embora! Espe... Droga!”

Robert começa a caminhar, mancando em direção a escadaria que leva ao topo do Tor. Nimue se anima e corre atrás dele. Bernard, Brian e Ellen os seguem. A subida leva algum tempo. Uma coruja voa por cima de suas cabeças e desaparece. A visão vai ficando cada vez mais bonita dali. Ao redor da colina existe relva verde e rosas de várias cores. Ao redor dessa ilha há cem metros dentro da água existe uma parede formada pela bruma. Bernard fica preocupado porque percebe a silhueta de algo se mover lá no topo. 

Quando chegam lá em cima eles encontram um platô de uns cem metros. Existe um círculo sagrado de pedra ao redor dessa área. Na torre existe uma porta dupla, em formato de ogiva, fechada. Crânios humanos adornam o batente. Existem algumas janelas mais finas no mesmo formato e parece ter 3 andares. No topo: ameias coroando a torre de Merlim. Então um som chama a atenção e um garoto de uns 15 anos sai de trás de uma das pedras e se apoia nela com os braços cruzados. Ele tem cabelos loiros compridos, veste loriga de couro, com calças de couro marrom. Em sua cintura pende uma espada. 

Garoto: “Posso saber o que fazem aqui?”

Brian: “Estávamos indo para Atalaia.”

Garoto: “Vocês treinam com armas?” 

Bernard: “Sim! E você?”

Garoto: “Sim, lutem comigo. Aceitam ou são covardes? Vou lhes dar uma chance. Podem vir todos ao mesmo tempo. Vamos ver o quanto sabem lutar. Aí poderão me perguntar o que quiserem.”

O rapaz retira sua espada da bainha. Ele faz alguns movimentos com a arma. Muito rápido. Uma hora a arma está diante dos olhos dos meninos e depois reaparece na outra mão. 

Garoto: “As mãos são mais rápidos que os seus olhos!”

Quando Bernard o golpeia o garoto maneja a sua espada de duas mãos em movimento sem espirais e rouba a espada de Bernard que fica muito surpreso. Brian ataca e o menino gira rápido e acerta os dedos do pequeno Barão. A espada cai, o garoto desconhecido equilibra a lâmina em sua perna a impulsionando para longe. A espada de Brian finca na grama ao lado de Ellen que está sentada assistindo a luta e fica boquiaberta. Bernard então pega a espada fincada no chão e tenta mais um acertando o ar. Ele sente duas espadas lhe cutucar as costas enquanto o garoto sorri se divertindo. Nesse momento eles ouvem a voz de uma mulher. 

Viviane: “Galahad! Já chega. Chega de brincar com os convidados.”

Galahad: “Ah, claro, mãe!” 

Viviane: “Sejam bem vindos meus jovens! Bem vindo a Inis Witrin. Entrem por favor.”

A porta da torre está aberta e ela com umas vinte e cinco primaveras está ali de pé. Tem cabelos crespos vermelhos, usa uma tiara prateada e veste um vestido verde. Uma bonita coruja castanha está pousada em seu ombro.

Galahad: “Isso mesmo! Entrem! Há muito tempo não temos visita! É muito bom ter alguém da minha idade pra conversar.”

INTERIOR DA TORRE:

O interior do térreo da torre é simples. Possui uma escada em espiral. Quando eles chegam no primeiro andar existe uma sala redonda com espreguiçadeiras. Nas paredes runas e tapeçarias com a Deusa e Cernnunos. Peles de ursos brancos estão espalhadas pelo chão. Ela os convida a sentar enquanto oferece uma gamela de barro cheia de frutas. A coruja voa até uma viga de madeira que sustenta o forro do segundo piso.

Viviane: “Deixe me apresentar: Sou Viviane. Merlim me nomeou a protetora de sua ilha durante sua ausência. Sou aquela que tem o título para que possa realizar esse trabalho. Sou a representante de Avalon ordenada pelo grande mestre como: A Dama do Lago. Excalibur, a espada lendária, era protegida por mim em Avalon. E quando, Brian, entreguei o aço sagrado para Merlim ele a jogou no lago e levou seu pai para recuperá-la. Assim minha missão estava cumprida. Então o mestre me deu uma nova tarefa: Trazer Galahad para o Tor e cuidar dele e da torre até o seu regresso. Pois bem! Vocês sabem que não eram para estar aqui, não é?” Então vamos fazer um trato. Vocês não contam para ninguém que estiveram aqui e eu lhes ofereço algo que talvez lhes interesse...” 

Bernard: “O que é?”

Viviane “Soube das dificuldades do pequeno Conde. O que tenho a oferecer à vocês é uma maneira de Robert duelar de igual para igual com qualquer guerreiro, mesmo tendo esse problema em sua perna. Galahad meu querido, o que você faria?”

Galahad: “O pequeno Conde luta com a perna direita e o braço direito à frente, como todo guerreiro destro, não é? Se todo o peso do combate for colocado em sua perna esquerda e aprender a lutar com a espada na mão esquerda você melhorará muito. Mais aí não usaria proteção pesada na perna machucada, o que lhe daria mais agilidade, e com um escudo longo no lado direito você lutaria muito bem.”

Viviane: “Seria seu ponto fraco Robert. Mas todos tentariam lhe atacar ali. Bem previsível e em vez de ser um ponto fraco, será o seu ponto forte. Mas aí entram vocês. Isso levará muitas luas e treino dia e noite Robert. Vocês devem trazê-lo todos os dias para isso e Robert deverá praticar todas as horas que puder...”

Galahad: “E eu vou poder ter amigos da minha idade!” 

 Viviane: “Isso, meu amor. Temos um trato, garotos?”

Robert: “Sim! É claro!”

Bernard: “Mas não conhecemos o caminho.”

Viviane: “Eu lhes ensinarei. Quando vierem novamente naveguem em direção a Atalaia. Quando enxergarem as primeiras rochas virem para esquerda de vocês e naveguem. Tenham paciência. As brumas abrirão aos poucos e aos primeiros raios de sol o fundo vítreo dessa ilha brilhará. Agora vão para Atalaia e não contem nada pra ninguém!”

Galahad: “Espero vocês! Conte comigo Robert. Você vai ficar com as mãos cheias de marcas e hematomas. Mas no final vai valer a pena!”

Então eles vão embora. Quando eles estão descendo as escadas a coruja que estava no interior da torre sai pela porta e pousa no ombro de Ellen.

Viviane sorri: “Pelo jeito ele te escolheu. Acho que Merlim não vai se importar. Ela é sua Ellen.”

TREINO DE MAGIA:

Então, depois de viajarem com o bote através das Brumas, eles vislumbram a bela paisagem de Atalaia: Um paredão que se ergue contra o céu azul cercado por uma linda floresta permeada por uma fina bruma. Bando de pássaros coloridos voam no alto das copas verdejantes. Eles notam, no paredão, uma grande escada que leva para dentro da rocha ladeada por grandes colunas esculpidas. Eles amarram o barco ao trapiche. Várias noviças andam de um lado para o outro levando cestas com comida e ervas. Outras cortam com foices a relva. Ao pé da estátua de pedra da deusa, cheia de oferendas com maçãs, mel e leite, uma sacerdotisa velhinha os encontra.

Sacerdotisa: “Estão atrasados. Nínive os aguarda. Vão até a colina do círculo sagrado. Que absurdo vocês deixarem a Senhora de Avalon esperando. Que absurdo!”

A coruja levanta vôo e some voando por cima do paredão. Apressados os meninos sobem as escadas, passam pelo interior da rocha, onde estão os salões de Avalon, onde as noviças preparam ervas e líquidos em mesas de madeira. Aí passam pela cozinha, a sala de jantar e saem na escada de pedra num vão entre as duas paredes de rocha. Eles passam pelo espelho sagrado, um poço de visões de água cristalina, e entram num bosque. Logo saem em um descampado florido e sobem a colina até o círculo sagrado de pedras. Quando chegam ali Nínive está lhes aguardando.

Nínive: “Se aproximem garotos. Em primeiro lugar, o que aconteceu e porque chegaram atrasados?” 

Brian: “Nos perdemos nas Brumas!”

Nínive: “Está mentindo para a sacerdotisa? E está ganhando peso! Espero que isso não ocorra novamente. Agora, Ellen e Nimue se aproximem. Os outros, aguardem ali embaixo. E silêncio!”

As meninas seguem aos pulinhos a Senhora de Avalon. 

Nínive: “Fique uma de frente para a outra. Diminuam a respiração. Fechem os olhos. Sintam a energia fluir. Vocês e tudo que lhes rodeia são um. Todo poder emana da Deusa. Nunca pensem que é seu. E esse poder te controla. E custa mais que prata e ouro. Escutem a Deusa, sua voz, seu rosto, ela é tudo que é belo e horrível. Deixem a mente livre de pensamentos. Primeiro você Nimue. Se aproxime do centro do círculo. É preciso que dominem os elementos.”

Existe um amontoado de troncos ali entre elas. 

Nínive: “Pense num dragão. Ele surge diante de você. Agora, atravesse o véu. E do outro lado você encontrará o poder. Descreva o que vê menina”

Nimue: “Eu me vejo em um lugar no alto de uma falésia. Lá embaixo um mar escuro quebra contra o rochedo. Um pequeno Dragão vermelho está voando diante de meus olhos. Ele está agitando suas asas, fazendo os meus cabelos voarem, ele está abrindo a boca: Tân y Ddraig!” 

Nimue está com os braços esticados e diante de seus olhos a pilha de madeira se incendeia. Nínive sorri satisfeita.

Nínive: “Agora venha Ellen. É sua vez. Feche os seus olhos. A Deusa mantém tudo em equilíbrio, bem, mal, morte e renascimento, predador e presa. Sem ela o caos prevalecerá. Diminua os seus batimentos. Limpe a sua mente.”

Nesse momento Ellen se vê de pé em uma pedra no meio de um rio e um Unicórnio está diante dela. O Unicórnio olha a garota com os olhos negros profundos. Ele bate os cascos e agita a cabeça. Então Ellen sente vontade de dizer algo e as palavras saem de sua boca: Dagrau yr Nymff. 

Então dos olhos fixos daquele animal místico começam a escorrer lágrimas. E Ellen sente as lágrimas escorrerem de seus próprios olhos. Então o céu começa a fechar e uma fina garoa começa a cair, transformando em chuva grossa por algumas batidas do coração. A menina se vê diante da fogueira acesa por Nimue e então o fogo se extingue até a fogueira tornar-se um amontoado de cinzas. 

Nínive: “Muito bem Ellen. Trabalhou muito bem querida. O treinamento está encerrado por hoje. Podem ir. Ah, e vão direto para a Ilha da Briga, ouviram bem?”

Enquanto eles partem a Coruja faz um círculo no ar e pousa no ombro de Ellen novamente. Nínive olha para os cinco séria e balança a cabeça descobrindo por onde eles andaram antes de chegar em Atalaia.

ENVIADOS PARA SERVIR:

Os meses passam e diariamente, escondidos, os garotos levam Robert até Inis Witryn para treinar. Robert passou a usar os saquinhos de areia feitos por Bernard e está se fortalecendo dia após dias. Diante dos olhos dos Mestres de Armas o Conde luta como destro. Mas, escondido, durante a noite ele treina como canhoto. Ele tem dormido pouco e parece sempre cansado durante o dia. 

O grupo continua os seus pesados treinamentos. Até que alguns meses depois Cynbel os chama na casa principal. Os seis estão de pé em frente ao Mestre que lê um pergaminho com um selo quebrado. Sagremor já está ali de pé diante dele.

Cynbel: “Garotos! Essa é uma carta da Condessa. Ela acaba de se aliar ao Rei Nanteleode. O homem conquistou meia Britânia e todo o Norte até a muralha. No início do ano estarão partindo para o leste. Sagremor e Bigorna irão com vocês. A Condessa quer que aprendam a lutar em condições reais e como é a vida em um exército em campanha. Seus senhores os quais servirão como escudeiros os aguardam. Que a Deusa esteja com vocês!”

Segunda parte: Os veteranos

LONDRES: 

O dia amanhece cinzento. Então um tambor começa a soar compassadamente. O som da cidade com as milhares de pessoas se dirigindo a grande praça, onde está a Catedral de São Paulo, acorda aqueles que ainda dormiam. Todos estão esfarrapados e sujos das ruas de barro. A forca está montada em um cadafalso comprido. Lá em cima está Avitus, vestido luxuosamente. Enquanto o carrasco rosna, baba em sua máscara suja de sangue e ansioso para a chacina em praça pública. Vários guardas cercam o cadafalso. O cheiro de comida, vindo de fogos acessos no chão, onde comuns vendem espetos de carne para os espectadores do mórbido espetáculo, se mistura ao cheiro pesado de esgoto da cidade. Homens com crianças nos ombros, mulheres conversando animadamente e cachorros lotam a praça. Sir Enrick, de bengala, se recuperando da fratura em sua perna nota algo em cima dos telhados ao redor da praça.

Os quatro líderes vêem escoltados pelos guardas da cidade e por soldados da igreja, jurados a Hanz. Sir Brastias lidera a guarda com um rosto fechado e sério. Os prisioneiros estão cheios de hematomas nos rostos e braços e vestem túnicas marrons puídas de prisioneiros. Murray vem na frente, em ferros, sem um dos olhos. Eles sobem, alguns aos tropeços, as escadas de madeira os leva até em cima do estrado de madeira, que estão com as cordas prontas penduradas em vigas, aguardando suas vítimas. O carrasco começa a ajustar as cordas ao redor do pescoço dos condenados. Curiosamente ninguém atira pedras, nem frutas podres. O povo parece em silêncio e com pesar. 

Avitus: “Atenção povo de Londres! Esses homens são condenados. Em meio à um cerco existem pessoas como eles que trabalham somente em prol de seus próprios interesses.    Esses homens cruéis, ladrões, malfeitores nunca deram nada em troca pela nossa cidade. Somente medo e violência! ” 

O líder Irlandês, olhando para a corda a sua frente, sente um reflexo do sol em seus olhos e começa a cantar em tom baixo, como se fosse uma oração, a música da resistência celta:

Quando a noite é mais escura
E o mal afasta as brumas
Nós teremos que marchar

Como um punho nos unimos
Somos um pra golpear
Contra a vil tirania vamos lutar

Resistência Celta
A Britânia renascerá
Expulsando os estrangeiros
Nossos filhos vão vingar

Resistência Celta
A Britânia se erguerá
Com a runa da vitória
Que nos levará a glória

Ao lado, Sir Enrick e Sir Caulas emocionados com a música, misturados à multidão, sentem um cheiro de queimado. Algo está errado! No meio do povo começa uma breve discussão:

Homem: “Alguém roubou as minhas moedas! Foi você? Seu ladrão de merda?” 

Então um homem dá um soco no rosto do outro.

Mulher: “Cadê o meu anel?”

Sir Brastias: “Atenção guardas! Contenham esses homens!”

Somente Sir Enrick e Caulas percebem uma figura em cima de um dos telhados. Ela está vestida com uma roupa negra e uma máscara da mesma cor, com um símbolo branco na testa: a triskle celta, o símbolo que representa a vida em eterno movimento e equilíbrio. Mas, onde está Marion? Eles notam Sir Brastias olhar lá pra cima e acenar positivamente e discretamente a cabeça. Então aquela figura de negro em cima do telhado saca silenciosamente, como um felino, a flecha. Puxa a corda do arco até atrás da orelha e dispara. O carrasco é flechado no olho e de dentro de seu capuz ele grita enquanto o sangue escorre com baba pelo pescoço sujo e grosso. Ele se debate de dor, cai de joelho e depois morre.

O pânico se instaura: Primeiro em uma pequena porção de pessoas e depois se espalha. Começa uma gritaria e um empurra empurra, enquanto os Irlandeses Leprechauns lançam das janelas ao redor barris com fogo. Saltando do alto das casas usando cordas, ao redor da praça, os homens da Mão de Deus usam pedras acertando qualquer um: causando o caos. Eles vêem Sir Brastias saltando em cima de Avitus. Em um movimento para protegê-lo. O homem grande, usando uma pesada armadura, usa a sua força obrigando o governante de Londres a sair dali. Ele parece se recusar. Então Brastias o abate com um soco e o leva pra longe sem poder ver o que está ocorrendo. Eles somem na multidão com os homens do Arco de Cernnunos os levando para um bueiro. 

Marion usa as janelas das casas e desce para o meio da confusão. Ela corre em direção ao cadafalso. Dois guardas a vêem e tentam atacá-la. A guerreira se inclina para trás fazendo passar a primeira lança no vazio. Marion salta enfiando a sua adaga na parte debaixo do maxilar fazendo sair a ponta da lâmina pelo topo da cabeça do guarda. O outro homem ao lado atira a lança na guerreira. Ela usa o corpo do primeiro guarda morto absorvendo o projétil enquanto, em menos de uma batida de coração, ela gira para trás do outro guarda e o degola abrindo passagem e subindo no cadafalso. Marion, disfarçada, corta as cordas das forcas libertando os 4 líderes. O Irlandês olha sem poder acreditar.

Murray: “Obrigado! Venha, precisamos sair daqui!”

Eles abrem caminho em meio a multidão enquanto Sir Enrick sobe no cadafalso aos berros e tropeços por causa de sua perna quebrada.

Sir Enrick: “Nós somos a resistência Celta! Nós temos o poder! Se libertem e lutem! Eu sou o líder da resistência e os levarei para a vitória!”

Sir Dalan sobe atrás de Enrick e o tira dali sumindo em meio ao caos. Os guardas estão confusos enquanto os adagas sagradas, disfarçados de padres e druidas, degolam os que sacam as suas espadas abrindo caminho. Eles se misturam aos moradores da cidade percorrendo as vielas apontadas por Murray se distanciando da praça. Os homens dos quatro derrubam barris e empurram a multidão para aquelas vielas atrapalhando os guardas. A fuga continua com Marion e os líderes das gangues de Londres a seguindo. Eles correm por várias ruas estreitas, passam por uma passagem em arco. O som da confusão vai diminuindo. Existe um caminho no beco. O que parece uma parede é chutada e um empilhado de pedras soltas desaba. Eles já estão longe da praça principal. Uma sequência de seis ruelas bifurcadas surgem e Murray sem exitar os guia através dela. Abrem uma porta e saem no interior de uma estrebaria vazia. Marion se lembra que os cavalos foram todos sacrificados para alimentar a cidade. Atravessam a estrebaria e empurram uma pedra. Saem em um cemitério romano. Ali existe um poço. 

Murray: “Para baixo, rápido!” 

Lá em baixo existe uma porta e tochas. Elas são passadas de mão em mão e acesas. Eles passam por corredores subterrâneos de pedra. Existem dezenas de túneis, são muitos caminhos. Os corredores são de pedras. As paredes escavadas. Eles estão no interior de uma velha mina. Após caminharem muito tempo eles chegam em um salão grande com provisões de todos os tipos e peles forram o chão. O líder dos Adagas Sagradas acende archotes gradeados que iluminam bem o lugar cheio de estalactites no teto.

Murray (se senta nas peles): “Obrigado por tudo Lady Marion! Essa foi por pouco! A cidade deve estar um caos com os guardas nos procurando por todos os lugares. Aliás, poucos deles. Muitos estão do nosso lado.”

Ao anoitecer daquele dia 3 leprechauns chegam até o esconderijo. Trazem um homem com o rosto coberto por um saco de couro de vaca.

Leprechauns: “Ele caminhava sozinho bisbilhotando por aí.” 

Murray: “Retirem o capuz e soltem-no. Desculpe Comandante da Guarda! Sente-se. Agora saiam.” 

Sir Brastias (segurando nos pulsos): “Boa noite Senhora! Belo esconderijo. A cidade está uma loucura. Espero que amanhã esteja tudo mais calmo. Fiz como combinamos Senhora. Quando Avitus acordou achou que eu tinha lhe dado o soco para protegê-lo. Não parece ter visto nada. Metade das tropas ficaram ao lado dos condenados. A outra teme Avitus. Ele mandou revirar meia Londres atrás de quem salvou os líderes dos quatro. Mas tomei minhas providências e mandei que os homens não fossem tão minuciosos. Prenderam um bando de ladrões e estupradores que indiquei como suspeitos. Seriam presos e executados de qualquer maneira. Isso deve deixar Avitus mais calmo.”

Murray: “Lady Marion é melhor a Senhora ir com Brastias. Londres precisará mais do que nunca de vocês. Obrigado mais uma vez!” 

TRINTA E CINCO DIAS: 

Os dias passam e cai a primeira nevasca. Já se passaram trinta e cinco dias de cerco à Londres. Avitus parece ter se acalmado depois de ter mandado enforcar alguns suspeitos indicados por Brastias. Mas temendo por suas vidas os 3 líderes que governam Londres se refugiam em um local desconhecido na cidade.

Sir Alain: “O frio está chegando! Espero que ele castigue os saxões mais do que nós.”

Sir Léo: “Não vejo a hora de voltarmos pra casa. Não pude ainda sentir como é a vida de casado.”

Sir Dalan: “Você não sabe como é boa... Por isso tenho três belas damas! Não é meu filho?”

Sir Bruce: “Nem venha com esse papo. Nessa idade, amigo, não conseguimos lutar com a lança. Estamos mais para a adaga!”

Sir Brastias: “Com licença, Senhores! O prefeito Avitus solicitou que comandassem a distribuição de alimentos mensal à população. Ela ocorrerá no mercado internacional, próximo a pedra fundamental da cidade, na beira do canal.” 

Chegando ali eles percebem que estão presentes umas 900 pessoas reunidas. Os guardas da cidade fazem o máximo para organizá-los. São poucos alimentos, já que os estoques estão diminuindo. Barris com enguias salgadas, frutas secas mofadas, sementes que germinaram, carne de cavalo já esverdeada, queijo e nabo bichado. Alguns sacodem a cabeça descontentes com o que recebem e outros sentam no chão de terra e ali mesmo se põe a comer com as mãos cheias de sujeira. Alguns cachorros se aproximam mas são chutados pra longe. Está frio e todos tentam se aquecer como podem acendendo fogueiras. Mas, algo  chama a atenção: ratos correndo por entre os pés das pessoas. Dez vezes mais que o normal. Ninguém dá atenção preocupado com a distribuição de comidas. Milhares de ratos caminham pelas ruas. Algumas pessoas esfomeadas recolhem alguns em sacos para comer depois.

Seguindo o grande fluxo da entrada e arco de pedra no túnel que guia o Tâmisa para dentro da cidade, eles notam que é dali que as centenas de ratos fluem pelas bordas do canal. Sir Enrick, Lady Marion e Sir Caulas entram pelos corredores cada vez mais estreitos, com água pelas canelas, abaixo da muralha, acompanhando o rio. Tudo está escuro. O cheiro é grande e mais e mais ratos saem lá debaixo. Depois de caminharem meia hora lá para dentro eles chegam em uma grade por onde o Tâmisa flui para dentro de Londres. Eles escutam pancadas leves vindo do outro lado. Então o chifre de guerra os alerta de que algo está ocorrendo. Sir Enrick fica ali embaixo comandando seus homens para ali. Centenas deles se acotovelam preparando uma parede de escudos na boca do túnel.

Do alto da Muralha um guarda gesticula os chamando lá para o alto. Chegando lá, quinze guardas da cidade observam por entre as ameias. Eles vêem os saxões se aproximando do oeste com dois barcos. Os dois estão cobertos com pele de gado molhada. Marion dá 3 toques no chifre de guerra enquanto seus arqueiros correm para o centro da muralha e despejam flechas incendiárias contra eles. Com muitas partes incendiadas o barco se choca contra a entrada do canal do Tâmisa. A cobertura de pele se abre e uns 50 saxões desembarcam com os escudos levantados. O barco rebocado tromba contra a poupa do outro destruindo metade deles. 

Sir Caulas: “Sons de porco!”

Lady Marion: “Eles querem contaminar nossas águas.”

Eles vêem tripas e sangue sujando a água e alguns porcos boiando mortos e esmagados. Os saxões tentam desesperadamente retirar a cobertura de couro e conduzir os porcos para fora do barco. Marion e seus arqueiros vão os abatendo. Mas a maioria deles corre em direção a arcada debaixo da muralha se misturando aos porcos. Os saxões que não couberam ali embaixo vão caindo flechados. Os animais assustados correm para longe da água e pelo menos 300 deles são colocados embaixo da arcada longe das flechas. Então os saxões sobreviventes rolam barris, retirados dos barcos, enquanto as flechas continuam a matá-los. A maioria deles caem mortos. Mas uma dezena de sobreviventes bloqueiam com os barris o caminho de volta dos porcos. O cheiro de bafo de dragão sobe. Então os poucos saxões que sobraram pulam na água chegando do outro lado do canal. 

Do outro lado do Tâmisa surge um saxão. Ele está com uma flecha flamejante encaixada na corda de cânhamo de seu arco. A flecha faz uma trajetória em arco e cai nos barris. Uma explosão de chamas se ergue até o alto do passadiço. O cheiro de carne de porco invade a cidade se misturando ao cheiro de merda do esgoto. Dos dois lados as chamas irrompem. As pedras racham. O calor ali em cima é insuportável. Lá embaixo, na entrada do túnel, Sir Enrick vê as chamas vindo em sua direção como um turbilhão. Ele salta sabendo que poderá ser o seu fim. As chamas passam por cima de sua cabeça. Infelizmente, grande parte de seus homens não tem a mesma sorte e como em uma dança macabra se debatem com os corpos em chamas. Lady Marion salta de cima do passadiço escapando por pouco e Sir Caulas se refugia em uma das torres. Muitos arqueiros morrem carbonizados. A força de soldados cai para pouco mais de duzentos infantes e cem arqueiros. Mais da metade deles morreram queimados.

As chamas ardem por horas e horas e o calor que emana de dentro da passagem é infernal. Todas as tentativas de apagarem o fogo é em vão. A gordura dos animais é capaz de alimentar o fogo e potencializá-lo por dias. O calor vindo dali é insuportável.  Até que ao anoitecer todos escutam o som da muralha rachando e desabando como um trovão. As pessoas assistindo aquele espetáculo assustador suspiram e gritam. Os cachorros latem e do outro lado do Tâmisa vem trazido pelo vento o grito de comemoração do inimigo. Com a queda de toneladas de pedra a água uma onda de dois metros inunda a margem, bloqueando a entrada do canal e a água que flui para dentro de Londres. Pela manhã a muralha se resume à uma pilha de pedras escuras e fumegantes de oito metros de altura. As pessoas tem que usar panos no rosto para respirar naquela parte da cidade. Cinco homens curiosos morrem por lanças quando foram espiar o alto dos escombros. 

QUADRAGÉSIMO DIA: 

Cinco dias depois a situação fica complicada. Esse lado da cidade está cheirando mal. O canal bloqueado, que levava todos os dejetos, produz um enxame de centenas de moscas e um cheiro insuportável que se espalha por toda a cidade. Com a chuva se intercalando com a neve, o canal transborda.

Bedivere: “Senhora, Sir Brastias mandou dizer que metade dos moradores perto do canal estão com disenteria e alguns parecem estar com as peles ficando enegrecidas. Existem cadáveres apodrecendo por toda a cidade e as pessoas não tem onde enterrar os seus mortos. Muitos deles não deixam que nos aproximemos.”

Existe doenças se espalhando lentamente. Primeiro pelos bairros mais pobres. Sir Caulas não parece estar muito bem, às vezes vomitando e com manchas na pele.

QUINQUAGÉSIMO TERCEIRO DIA: 

Eles acordam naquela manhã fria. A neve cobre metade das ruas da cidade. O cheiro é terrível. Odor de corpos em decomposição, misturado a merda e água insalubre deixa todos nervosos. O frio é grande e as pessoas não tem como se aquecer sem lenha. Quando se sentam a mesa o escudeiro Deverell trás somente uns pedaços de nabo e algumas castanhas.

Deverell: “Não enviaram nada hoje meu senhor. Essas são as sobras de ontem. Vi, muitos moradores da cidade congelando de frio. Acharam dez corpos endurecidos pela neve, na rua do porto, hoje pela manhã. Não deixei entrar, mas muitas pessoas esfarrapadas vieram pedir ajuda hoje. O que devo falar para eles?” 

Sir Enrick: “Diga que estamos iguais à eles. A fome atinge a todos. Estamos todos sem nada.”

As mobílias das casas e tudo que é feito de madeira começam a serem queimados. Isso diminui um pouco o frio no início do rigoroso inverno que se aproxima dia a dia. Eles vêem nas ruas enlameadas cadáveres congelados e pessoas com o sintoma da peste. Na entrada da Catedral de São Paulo, Sir Brastias conversa com alguns soldados com o rosto preocupado. Sir Caulas, Lady Marion e Sir Enrick estão ali.

Sir Brastias: “Senhores, boa tarde. Entrem por favor. Vamos até a sacristia. Essa conversa não pode ser ouvida de maneira nenhuma. Tenho péssimas notícias. Mandamos nossos guardas verificarem os estoques. Infelizmente eles estão tomados pelos ratos. Sendo o único lugar seco abaixo da terra essas criaturas nefastas foram morar lá para fugir da inundação e do frio. Resumindo! Estamos sem comida. Se estivesse calor, acredito que já estaríamos todos mortos em meio as moscas e as pragas. No quarteirão do porto todos amanheceram mortos. Não temos o que fazer com os corpos. Os ratos, pombas, gatos e cachorros levam a praga para todos os lados da cidade. Meu escudeiro morreu essa manhã se esvaindo em sangue e merda debaixo de meu próprio teto.” 

SEXAGÉSIMO SEXTO DIA: 

Dois meses depois do início do cerco, a situação é de calamidade total. Neve e lama cobrem toda a cidade. O frio a falta de comida e doenças se alastrando por todos os lados tornam a vida de todos terrível. Infelizmente nada no horizonte parece mudar a situação. Nenhuma ajuda surge. As pedras começam a voar lá para dentro novamente destruindo muitas casas e matando dezenas. As pessoas começam a se refugiarem nos porões. Os heróis se reúnem em uma das tavernas. Sir Caulas parece muito magro e as manchas se espalham cada vez mais pelo seu corpo. Uma tosse insistente não o abandona. Bag parece passar pela mesma situação.

Sir Bag (magro e limpando a sua boca depois de vomitar): “Meus amigos, tenho me sentido muito mal. Não sei quanto tempo posso aguentar. Todos os dias ao pôr do sol tenho febre e meu sangue está tão fino que nem posso tratar-me com sangue sugas.”

Sir Bruce: “Me sinto uma merda. E o pior, os estoques de vinho estão secando e os poucos poços que abastecem a cidade estão congelados. Sir Léo não veio porque está de cama há três dias. Seu quarto cheira morte. O homem está definhando. O seu escudeiro morreu há três dias... Pobre garoto.”

Sir Brastias: “Mandei pássaros aos quatro cantos da ilha. Ninguém parece ter atendido nosso chamado. Estão  todos lutando as próprias guerras. Essa tática de represar o canal foi o golpe de misericórdia para a nossa cidade. Nem Aelle cumpriu o combinado.”

OCTOGÉSIMO PRIMEIRO: 

A fome os consome. Os heróis são chamados em um dos quartos de uma estalagem tomada para uso do exército de Londres. Ela está vazia. Ali em baixo está Arina e Sir Dalan.

Sir Dalan: “Amigos! Tenho más notícias. O escudeiro de Sir Léo, morreu ontem e hoje foi a vez de seu mestre. Sir Léo morreu fazem algumas horas. Ele faleceu de peste e inanição e seu quarto está selado. Ele deixou essa carta.

CARTA: “Digam a Ellen que ela foi a única mulher que verdadeiramente amei. É uma pena que não viverei para ver uma Britânia livre. Mas meu filho verá. Sim, Ellen está esperando um filho meu. Por favor, cuidem dele e façam virar um homem de verdade. Diga a Ellen que ele terá o nome de meu pai: Dragonet.”

NONAGÉSIMO QUARTO DIA:

Quatorze dias depois da morte de Sir Léo a cidade está praticamente morta. Correm rumores de que Sir Enrick irá se render. Numa das vezes que eles estão no alto da muralha norte vistoriando as defesas, aliás todos eles estão com os rostos afundados da inanição, por entre as ameias eles vêem o grande acampamento dos saxões com as suas milhares de tendas. Testemunham caravanas de prostitutas inundarem a pequena cidade que se transformou o acampamento. Ao redor dessa área, restos de comida e fezes. Os capões de árvores foram derrubados e mais armas de cerco estão sendo construídas. 

Sir Dalan: “Senhores! Em alguns quarteirões ocorreram revoltas essa noite. Os judeus e os cristãos estão em guerra. Estão se matando como animais. Roubos e assassinatos tornaram-se rotina por toda a cidade. Os calabouços estão lotados e os que não couberam lá mandei prender nas catacumbas. São ladrões, bêbados e arruaceiros.”

Deverell: “A morte por doença, frio e inanições tomaram a população. Eu vi uma mulher  matar seu filho para não morrer. E cinco homens arrancaram o seu bebê de colo e o devoraram. Vi também dez pessoas saltaram das muralhas hoje de manhã. Uma família inteira. Todos mortos, magros, doentes e desesperados.”

Sir Enrick: “Reunam todos na praça.”

Quando todos os soldados e a população que ficou na cidade para lutar é reunida Sir Enrick sobe em um barril e começa a falar.

Sir Enrick: “Cidadãos! Soldados! Nunca, eu disse nunca me renderei. Mas algumas pessoas dentro de Londres querem que isso ocorra. Vocês roubam de seus próprios irmãos.  Vocês ouviram a música da resistência celta e sabem quem a comanda. Vocês querem deixar a cidade vazia para os saxões pilharem? Aguentem agora para viverem depois. Precisamos de um milagre e temos que acreditar...”

Então os guardas começam a gritar para os Cavaleiros seguirem rápido até a muralha leste. Eles sobem até o passadiço e vêem lá na retaguarda do exército saxão, onde existem duas centenas de carroças lotadas com mantimentos e um milhar de barris, uma multidão se aproximar pela neve branca. Eles se esgueiram, e são percebidos só quando se movem, cobertos de mantos brancos. Os Saxões nãos os vêem. Eles formam uma linha enorme. Escondidos por entre as ameias os heróis vêem as bestas e as pontas dos virotes surgirem nas mãos do bando. Uma nuvem de milhares deles voam e uma centena de sentinelas caem mortos. A neve fica vermelha. Então eles se jogam como gafanhotos nas provisões dos inimigos. Lá no fundo o seu líder empina o cavalo da cor da neve usando a coroa dos Pendragon. Em menos de dez minutos os salteadores saem carregando tudo que podem.

Sir Bruce: “O bando branco!”

Arina: “O Bando cresceu. São pelo menos 2000 ladrões.”

Quando os saxões percebem a sua presença é tarde demais. Eles correm em direção ao bando e os salteadores atiram. Matam muitos deles com as bestas. Aí os bandidos correm novamente. Depois param e fazem a mesma coisa. Depois de caírem mais saxões mortos eles desistem de persegui-los. E então o bando branco some no horizonte levando quase todas as provisões dos bárbaros deixando a neve manchada de vermelho e quase 800 mortos e mais uma dezena de feridos. Nenhum deles é morto.

Sir Bag: “Agora esses bárbaros irão provar de seu próprio veneno. Vão cagar e vomitar igual a mim. Antes eu nem sabia que eu tinha o osso da clavícula.”

CENTÉSIMO DIA: 

Dez dias depois do ataque do bando branco os saxões estão isolados como os Celtas. Na manhã de céu azul todos podem ver as piras funerárias dos bárbaros sendo acesas ao fundo. Assim acontece por todo o dia junto com as pedras arremessadas pelos trebuchets. 

Sir Brastias: “A neve fechou as estradas e eles estão sem provisões. Também devem estar com fome e disenteria. Agora é um cabo de guerra para ver quem aguenta mais.”

Sir Bruce: “A hora do combate se aproxima. Eles também não aguentarão muito tempo. É melhor estarmos prontos.”

Sir Oswalt: “Sabem que dia é hoje?”

Bedivere: “Natal!”

Arina: “Yule!” 

Sir Bruce: “No inferno não existe data pra comemorar amigos. Olhem.”

Eles observam a cidade desolada reduzida a escombros e aquelas pessoas, mas parecendo um bando de mortos vivos, caminhando em meio a lama e a neve. Um grupo de pessoas divide um cachorro assado. Um homem caminha aos tropeções e logo cai sem forças morrendo ali na lama... Ninguém lhe dá atenção. As construções de madeira estão sendo canibalizadas para servirem de lenha para o aquecimento.

YULE E NATAL: 

Mesmo assim ao anoitecer, com a neve caindo como flocos, as pessoas se arrastam até a igreja de São Paulo. E mesmo com parte desabada e o frio rigoroso os cristãos rezam em homenagem ao Cristo. Hanz Duplain celebra a missa. Muitos tem lágrimas nos olhos. 

Aproveitando que a maioria está no interior da Catedral, Sir Dalan e seu filho, Sir Caulas, sobem a muralha para observar o inimigo. O frio é tanto e a fome tamanha que diante de seu pai Sir Caulas sente uma fraqueza em suas pernas e se encosta em uma das ameias. Parou de falar por um instante, quando seu pai se aproxima começa a chorar e dar socos nas pedras do passadiços. Sir Caulas, com 20 anos, morreu de fome. Sir Enrick e Sir Dalan cremaram o corpo do jovem cavaleiro no local onde ele faleceu. Foi um dia triste para os Cavaleiros da Cruz do Martelo.

CENTÉSIMO QUINTO DIA: 

O ano de 506 se inicia na madrugada gelada. Ninguém tem motivo para comemorar e a maioria só que um lugar para fugir da neve e se aquecer. A comida acabou e não existe mais esperança. Todos vão se recolher com o estômago vazio e enchendo o seus estômagos com neve. Existe um silêncio estranho durante a madrugada. Alguns não dormem preocupados. Os heróis repousam frente à uma lareira em uma estalagem abandonada.

No meio da noite as trombetas dos sentinelas das muralhas começam a soar por todos os lados da cidade e a gritaria por todo o lugar: “Eles estão vindo! Eles estão vindo!” 

Os sons de janelas e as portas sendo fechadas enchem o ar. Depois de algum tempo as ruas ficam desertas. Os tambores soam de fora da muralha. Centenas deles são ouvidos. Gritos de guerra de milhares de homens e o trovão da guerra, com as lâminas batendo nos escudos, estremecem as muralhas. Deverell chega ofegante. Sua respiração se condensa com o frio e seus cabelos pretos estão cheios de neve. 

Deverell: “Senhor! Estou voltando da muralha leste. O exército saxão está marchando para Londres. Já sacrificaram uma centena de aldeões. Estão em movimento para a muralha leste.”

Sir Brastias chega apressado, em meio à neve, depois do garoto. Os outros cavaleiros vão chegando acompanhado de seus escudeiros, mas a maioria dos garotos pereceram ao longo dos dias de cerco. Um procura ajudar o outro fechando o gorjal e puxando as correias dos peitorais e das proteções de ferro da perna. Alguns usam o punhal pra fazer uns buracos a mais nas amarras de couro para ajustar as placas de suas armaduras. Todos notam que elas estão frouxas. Todos emagreceram demais. 

Sir Alain: “Sir Dalan está de cama. Caiu doente hoje de manhã e pediu para ninguém mais entrar em seu quarto. Fui chamá-lo e nada. Ele respirava mal e estava sem forças.”

Sir Enrick: “Droga! Depois voltaremos para pegá-lo!”

Sir Bruce: “Começou. Vamos? Rápido.”

Gawaine chega correndo, já com o seu elmo na cabeça carregando o estandarte de Caulas e vestindo o brasão de seu pai por cima da cota de malha. Bedivere chega com ele. Os dois tem flechas em seus escudos.

Gawaine: “Lady Marion! Eles estão tentando se aproximar com flechas. A infantaria está carregando escadas. É um mar de tochas. Não dá pra enxergar muito com essa nevasca e o escuro.”

Sir Brastias: “Quantos homens desloco para lá, senhor?” 

Sir Enrick: “Todos eles! Protejam o portão e mantenham os nossos arqueiros atirando até seus dedos caírem.”

E Sir Brastias vai correndo e gritando para os guardas da cidade passarem a ordem à frente. Logo os soldados começam a surgir correndo pelas ruas em pequenos grupos. Eles atravessam a cidade barrenta na escuridão da noite sem estrelas. Passam pelas vielas. Bandos de ratos correm por ali. Vêem os cadáveres congelados de alguns mendigos. Os archotes espalhados pela cidade iluminam as vielas escuras. Uma velha espia do segundo andar pela janela de uma estalagem. Eles caminham ao lado do quarteirão incendiado dos judeus. Corpos de cristãos e de semitas estão caídos ali esfaqueados. Os grupos passam pela colina de terra, onde Londres executa os nobres à lâmina, e então o som de gritos  de guerra pode ser ouvido. Os soldados da cidade correm para a torre Pastern, seguindo Lady Marion, e sobem na muralha. Flechas voam lá de fora passando por cima de suas cabeças. Na direita está a torre branca em ruínas. A neve cai em flocos grossos tornando difícil a visão. Os arqueiros chegam ali e se protegem.

MURALHA LESTE: 

PRIMEIRA HORA DE COMBATE:

Neva muito. De cima da muralha leste eles vêem pouca coisa mas escutam o som das flechas batendo nas ameias. Marion se expõe quase sendo flechada. Ela observa as tochas inimigas, pelo menos 1000 delas, e vê os inimigos correndo com as escadas. Um corpo de um arqueiro rolar por cima do dente de pedra com uma flecha no ventre  caindo no foço lá embaixo. Outro está encostado na murada com uma flecha fincada em seu olho. Ele segura na haste e solta sem saber o que fazer. Ele treme enquanto escorre água e sangue de seu globo ocular.

Lady Marion: “Atirar! Mirem na infantaria carregando as escadas!”

Os pouco mais de cem arqueiros de Lady Marion atiram abatendo muitos saxões. Mas eles são muitos e seguem em frente.

SEGUNDA HORA DE COMBATE:

No início da segunda hora de combate a neve continua a castigar. O som das flechas continuam a bater nas ameias. Duas panelas de ferro pretas, cheias de azeite, estão em cima do fogo fervendo. Então o som de trebuchets vem cortando o ar. A primeira pedra passa por cima da cabeça de Marion e se espatifa em uma casa atrás arrancando o seu telhado. Mas a segunda atinge a muralha em cheio arrancando quatro ameias e quatro arqueiros que estavam atrás dela. Os arqueiros de Lady Marion continuam a lutar mesmo diante das mortes dos seus companheiros. Sir Bruce e mais três homens viram uma panela de azeite fervente nos saxões que tentam subir. Na escuridão eles ouvem os gritos e vêem as chamas acesas pelas tochas que os saxões mortos derrubaram. Na parte onde as ameias foram arrancadas ninguém mais se aproxima. 

TERCEIRA HORA DE COMBATE:

Eles já estão há três horas ali, então escutam: “Avançar! Avançar!” seguido pelo som dos projéteis dos Trebuchets. A pedra bate em cheio na muralha matando quatro soldados. Dois deles estavam espiando quando a rocha lhes arrancou as cabeças. Os corpos caem duros espirrando sangue pelo buraco onde existia seus pescoços. Os outros dois são acertados pelos estilhaços de rocha que arranca o braço de um deles e do outro metade do tronco. A segunda rocha acerta o alto da Catedral de São Paulo fazendo uma das torres desabarem. Ao mesmo tempo eles escutam os sons de homens correndo e gritando na escuridão. No passadiço eles vêem 5 escadas sendo apoiadas nas muralhas. 

Sir Oswald: “Eles estão vindo! Preparem-se!” 

Sir Bruce vira mais uma panela de azeite lá para baixo. Ele queima seu próprio braço na pressa. Olhando lá para baixo já dá para ver mil bárbaros tentando subir nas escadas. Eles estão formando uma fila cheia de guerreiros. Ali embaixo homens carbonizados ardem na neve. Outros com pele vermelha descolada respiram semi mortos e queimados caídos ao pé da muralha. A fumaça levanta e chega até o topo. Os cadáveres sem cabelo e fedendo carne humana queimada são pisados pelo homens que vem de trás com os escudos levantados. Então os primeiros inimigos chegam até o topo. Eles surgem tentando se equilibrar segurando na escada e os atacando com a espada em outra mão. Os rostos barbudos e sujos olham para os heróis com ódio. 

Lady Marion sofre o primeiro ataque. A guerreira saca a sua espada. O saxão tentando chegar no passadiço tenta usar o machado para enganchar no escudo da guerreira e jogá-la lá para baixo. Ela deixa o saxão fazer a manobra e puxá-la. Mas rapidamente ela deixa o escudo se chocar em seu rosto o atirando, com a face fraturada, para a morte ao pé da muralha. Sir Bruce luta com o braço queimado. Ele golpeia horizontalmente da esquerda para a direita e divide um saxão, esguiou e ágil, em tronco e pernas, que tentava subir a muralha. Mais inimigos continuam chegando. Arina e Bag lutam como dois loucos atirando os homens de volta como sacos de cebola. Arina usa seus dentes mordendo o rosto de um saxões, que lhe arrancou o martelo, e o atira lá de cima matando, com a queda, mais três inimigos lá embaixo. 

Vários bárbaros já chegaram no passadiço. Um rapaz jovem tem a barriga aberta pelo machado saxão espalhando merda. O sargento da milícia tem sua cabeça prensada entre o passadiço e a base de uma ameia. O saxão usa sua bota para apoiar o rosto do homem contra a pedra e o arrebenta com um martelo. Das escadas mais próximas saltam mais homens. Eles retiram os seus escudos das costas. Mais e mais saxões sobem pela escadaria. Apesar do esforço eles não param de chegar. A alvorada se aproxima. 

Sir Bruce luta alucinadamente cercado por três homens. Seu braço arde pelas queimaduras. Ele fraqueja das queimaduras borbulhantes e uma espada saxônica delgada e curta entra em seu estômago. Ele fica com os olhos esbugalhados de dor. Os saxões o empurram de encontro as ameias e os machados fazem o trabalho o mutilando até sua cabeça ser arrancada e seu braços e pernas serem retalhados. 

Sir Enrick: “Meu Deus Bruce! Não! Subam todos os homens! Danem-se o portão! Todos para o passadiço! Eles estão vindo por lá!”

Enrick chega lá em cima e começa a lutar com os três homens que mataram Sir Bruce. Seu martelo e escudo golpeiam quebrando ossos, dentes voam, ossos quebram e o sangue é derramado. Enquanto ele, sua esposa Marion, Sir Bag, Arina e Sir Oswalt lutam como loucos tentando sobreviver em meio ao mar de inimigos no alto da muralha que lotam o passadiç. Os corpos vão se empilhando ao redor deles. Então algo chama a atenção: Eles vêem uma revoada de corvos passando no céu. Dezenas deles. 

QUARTA HORA DE COMBATE:

Na quarta hora começam os sons de algo pesado golpear. Seguido de gritos de dor.  Lá fora escuridão quando um vento forte apaga todas as tochas. A cidade fica na escuridão. Em meio a neve as escadas caem como se fossem derrubadas por algo muito forte e os gritos de pavor continuam por algum tempo. Depois ouvem o som de algo sendo esmagado e madeira se quebrando. Os gritos vão ficando cada vez menores. 

Então, na escuridão, eles vêem um elmo negro, passar quase da altura das ameias. O elmo é para um homem de quatro metros de altura. Dois olhos vermelhos fitam e todos assustados parecem ter visto uma massa do tamanho de um cavalo e um escudo do tamanho de uma roda de trebuchets com corvos desenhados. Tudo negro como a noite. E o bando de corvos, centenas deles, continuam voando. Os saxões saltam desesperados morrendo ao pé da muralha no interior da cidade. Em pânicos e desordenados são abatidos um a um.

De repente tudo fica em silêncio. Só ao longe se escuta gritos no interior de Londres, lá para a área do mercado. Então o sol nasce e o céu passa de negro para cinza e lá embaixo eles podem vislumbrar uma carnificina. Quase um milhar de corpos destroçados, amputados e desfigurados cobrem um quilômetro. Embaixo da muralha uma pilha de três metros de altura de mortos. O cheiro é terrível. Os trebuchets estão destruídos. Sangue, tripas e cérebros cobrem a neve de vermelho. Curiosamente nenhum cadáver tem olhos e nenhum corvo pousa ali para se alimentar de carne fresca. 

Sir Brastias se ajoelha coberto de sangue: “A muralha oeste continua cheia de mágica dos deuses antigos. Bran esteve entre nós essa noite.” 

Todos os homens se ajoelham. Eles vêem Bedivere encostado em uma ameia. Um saxão está caído ao seu lado com um punhal fincado por entre as pernas. Mas o escudeiro parece sofrer de dor. Ele está sem a mão esquerda. 

Bedivere: “Sobreviverei, senhora! ”

Então eles escutam os gritos que estavam baixos se transformarem em sons altos, vindo do oeste da cidade. Um mendigo com a mão na orelha decepada fala lá de baixo para os heróis: “Os saxões entraram pela muralha oeste. Estão entrando aos montes. Alguém abriu o portão.”

Deverell corre como um louco e logo retorna vermelho com a respiração condensando com o frio.

Deverell: “Os guardas estão tentando fazer barricadas mas os saxões estão avançando. O Bispo Hanz de Duplain abriu os portões oeste. Que os deuses nos protejam!” 

Sir Enrick: “Somos muito poucos!”

MURALHA SUL:

Eles correm pela cidade. Ela está um caos. Todos saíram de suas casas. Esfarrapados inundam as ruas. Alguns tentam carregar o pouco que tem. Eles vêem mulheres mutilando os seus rostos para não serem estupradas. O som de batalha vai ficando mais alto. Quando um homem com o capuz na cabeça pega no braço de Sir Enrick. Ele reconhece seu sotaque: É Murray Cutelo Prateado. Nesse momento os soldados estão dispersos. Muitos desaparecem pelas vielas outros correm pelo passadiço e somem provavelmente saltando para o outro lado.

Murray: “Vocês tem que sair daqui o mais rápido possível, a cidade caiu.” 

Dali eles já vêem a cor das chamas iluminarem as nuvens baixas do início da manhã.

Murray: “Venham comigo!” 

Sir Enrick: “Merda! Vamos!”

Eles seguem pelas ruelas liderados por Murray contra o fluxo de pessoas em fuga. O caos está instaurado. É difícil passar por elas. Ninguém lhes dá atenção. De repente gritos e mais gritos de pânico e correria. Quando  passam por uma ruela eles vêem a muralha sul que tinha desabado. Eles espiam do escuro por uma ruela, vêem a praça inundada de água negra. Mil saxões estão ali, com água nos joelhos. Eles gritam com as armas para o alto enquanto os prédios ao redor pegam fogo. Muitos corpos de moradores boiam assassinados. No alto da pilha de pedras estão o Rei Aesc de Kent, Aethelswith de Essex e Smouth com a Gungnir (lança sagrada que pertencia ao Barão Algar) em suas costas. Avitus está à frente dos Reis bárbaros junto com o Bispo Hanz. 

Sir Brastias: “Vi o mestre do porto Eógan fugir saltando no Tâmisa antes do amanhecer.”

Então Hanz vai atrás de Avitus, retira um punhal e o esfaqueia várias vezes nas costelas. Avitus cambaleia, sujando a sua túnica cara de sangue e rola lá para baixo da pilha de pedras caindo na água rasa e negra já morto. Os Reis bárbaros riem quando o Bispo se ajoelha e entrega o cetro da cidade para eles enquanto os guerreiros comemoram.

Sir Brastias: “Vamos embora! Não restou nada!”

Eles vão para o norte da cidade seguindo o Canal por entre as vielas. Quando eles chegam na muralha Murray manda eles entrarem em um esgoto. Então eles escutam no idioma saxônico: “Stop motherfukers!”

Seis saxões saindo de uma casa carregando duas mulheres, candelabros de prata e uma cruz de ouro largam tudo e atiram lanças. Murray grita: “Pulem no buraco!”

Bag, Verina, Oswald, Alain, Bruce, Deverell, Bedivere, Gawaine saltam lá para dentro. Marion desvia da lâmina mas é atingida pelo cabo da arma e desmaia. Então no momento em que Murray irá pular no buraco a ponta de uma lança surge em seu peito. Ele olha sem acreditar, faz uma cara de dor e tenta andar. Ele respira com dificuldade quando mais uma ponta de aço rasga a sua cota de malha lhe tirando sangue de sua boca e uma terceira o derruba. Então o Irlandes cai para o lado sem vida.

Os sobreviventes descem pelo buraco sem visão nenhuma até lá fora. Há três metros de altura eles caem um atrás do outro no pântano que circula a muralha norte. O grupo vadeia com água negra até a cintura congelante. Tudo ao redor está  coberto de branco. Olhando para Londres podem ver pessoas se jogando das muralhas. A maioria morre e outros caem e ficam ali agonizando com as pernas quebradas. Lá de dentro colunas de fumaça se levantam. Eles vêem já a uma boa distância da cidade os estandartes dos Reis Saxões serem hasteados. Sir Enrick carrega Lady Marion desacordada.

Então eles chegam no descampado, branco de neve, à beira da estrada do Rei. Ao norte vêem a floresta de Quinqueroi toda desfolhada. Todos estão acabados e tristes. Estão sujos, suados, barbudos, feridos e magros. A inanição fez todos perderem alguns dentes e cabelo. Os lábios estão quebradiços e os músculos ardem pelo esforço. O saque se inicia e os bárbaros os esquecem. 

Alan: “Amigos! Londres caiu e não nos resta mais nada aqui. Os saxões bloqueiam o oeste e no leste só há mais bárbaros. Só nos resta esperança no norte e nos juntarmos ao exército de meu senhor. Tenho certeza que o Rei Nanteleode nos ajudará. Pois além de ser o soberano do Norte e de toda Cambria ele é... o meu Pai.”



FIM


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